No fundo do nosso quintal existia um
abacateiro. Ano sim, ano não produzia lindos abacates. Nós e a bicharada nos
fartávamos. Dividíamos solidariamente a produção dessa forma:
No ano da melhor safra, quando os abacates
eram suficientes, colhíamos os nossos; as aves bicavam os que estavam nos
galhos a boa altura do chão; e as frutas que caiam eram aproveitadas, à noite,
pelos roedores e marsupiais. Dessa maneira ficávamos todos satisfeitos.
No ano seguinte cedíamos nossa parte para a
bicharada. Aliás, nem podia ser diferente, já que os animaizinhos da redondeza
não deixavam sobrar nada para nós humanos.
Um dia estava uma família de sanhaços
dividindo um abacate lá no alto das alturas, na ponta de um galho quando o
abacate, todo furado daqui e dali, despencou! Despencou atingindo a cabeça de uma catita. Os
pássaros, sentindo-se parcialmente responsáveis pelo acidente voaram lá pra
perto do pequeno mamífero.
_ Vocês estão querendo acabar com a minha
raça é? - ouviram da vítima.
_ Desculpe-nos. Não tivemos a intenção.
Podemos ajudar?
_ Podem sim. Voem de volta e mandem um
abacate inteiro, maduro e bem grande para a comunidade dos gambás. E muito
obrigado pelo favor.
E voou a família de sanhaços pro alto em
busca da encomenda. Achar foi fácil, derrubar a frutona, nem tanto. Mas ela
caiu, rolou e parou ao encostar-se a um formigueiro.
_ Mandem outro que esse não valeu! O
formigueiro é de “lava pés”. Não dá para enfrentar o exército delas! - o grito
fez-se ouvir do solo para o céu.
_ Ta bem, ta bem! Aí vai outro abacate, e
aproveite a casca em cuia, para usar de capacete, viu?
Riram todos.
Passados uns tempos o abacateiro apresentou
sinais de velhice fomos buscar um médico de árvores. Então veio o agrônomo,
auscultou o tronco e para nossa tristeza diagnosticou:
_ Está morto!
_ Morto sem ao menos cair? - perguntamos inconformados.
_ É. E vai demorar a cair. Se
assim desejarem, podem mandar retirá-lo para, na queda, não machucar
alguém de qualquer espécie que seja.
Naquele dia ninguém riu.
Fui eu a cuidadora do pomar, para a janela
e... Pensativa, com o cotovelo apoiado no peitoril, segurando o queixo com a
mão fiquei. Durante muito tempo observei as folhas secando e caindo aos montes.
Os galhos sem roupas deixando à mostra: casa de joão de barro, ninho de sabiá e
toca de outros moradores.
Ainda presenciei a “sabiá abacateira”
despedindo-se da vizinha e comadre “joana de barro”:
_ Apareça lá em casa! É no “condomínio
laranjeira”. Procure por dona “sabiá laranjeira”, pois estarei de volta às
origens.
Ao que respondeu a companheira do joão de
barro:
_ Nós estamos construindo na entrada da
cidade. Passe lá também. É no alto do segundo poste de sinal de trânsito.
A cena entristeceu-me.
E assim expostos aos gaviões e tucanos,
ninguém queria morar mais lá no abacateiro desfolhado. O “condomínio” ia, com o
tempo, ficando abandonado.
Depois que o abacateiro deixou toda sua
roupagem e as aves do céu não residiam mais nele, chamei um artesão de gamelas
para cortá-lo, e fazer um bom proveito. Ao ver os vinte metros de altura da
árvore o homem concluiu que haveria de precisar de uma equipe.
Enquanto ele organizava a equipe muitos
dias se passaram...
Não só eu observava cotidianamente o que se
passava na galhada do abacateiro, outrora tão cheio de vida. A vizinha
observava com binóculo o bater de asas, a cantoria, o vai e vem de passarinhos
e comentava:
_ Podes crer, a árvore hoje é um mirante
para todas as espécies emplumadas da redondeza. É o ponto mais alto para
procurarem alimento ao longe; observarem a aproximação do predador e fugirem;
atrair a fêmea para o acasalamento. Perderemos todos estes espetáculos da
natureza.
Então vou propor à equipe, que já deve
estar chegando, a montagem de um mirante substituto primeiramente.
_ Poderá ser uma boa solução, que trará
vantagens a todos, enquanto as outras árvores crescem, as aves terão seu pouso!
A equipe de salvamento do “pouso seguro”
estava a confabular e a passarinhada ouvindo. Dali a pouco acontecia o inverso:
a equipe “salva natureza” silenciosa, observava tronco, galhada seca e seus
muitos bichos ali de passagem, e os bichos fazendo a maior zoeira.
O que estariam conversando?
_ Bem que eu vi, bem que eu vi...
_ U quê, u quê, u quê?
_ Roanc... Roanc... Roanc...
_ Psiu! Psiu! Psiu!
Eram exatamente nesta ordem: bem te vi,
maritaca, tucano e tiziu trocando idéias, para em seguida voarem para os meus
ombros e cochicharem ao meu ouvido:
_ Pode retirar a velha árvore que
visualizamos um excelente local substituto do nosso mirante natural.
Antes que eu pudesse indagar:
_ Onde? Onde? Onde?... – voaram pro meu
terraço, cobertura da casa em que moro.
Ainda acompanhei com os olhos o bando voando
e ocupando a antena da tv; a chaminé da churrasqueira; o varal e a cumeeira do
meu telhado.
Tive a impressão de ouvir risos. Era o
gavião:
_ Pinhé... pinhéé... pinhééé...
E mais algumas aves fazendo coro:
_ Car... cará... cá... cá!
_ Car...cará... cá... cá!
--
Elisabeth Carvalho Santos desde
alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora
(não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família,
participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar
oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos
e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que
“escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo
alfabetizado deveria experimentar algum dia.”
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