julho 05, 2013

Árvore das aves


No fundo do nosso quintal existia um abacateiro. Ano sim, ano não produzia lindos abacates. Nós e a bicharada nos fartávamos. Dividíamos solidariamente a produção dessa forma:

No ano da melhor safra, quando os abacates eram suficientes, colhíamos os nossos; as aves bicavam os que estavam nos galhos a boa altura do chão; e as frutas que caiam eram aproveitadas, à noite, pelos roedores e marsupiais. Dessa maneira ficávamos todos satisfeitos.

No ano seguinte cedíamos nossa parte para a bicharada. Aliás, nem podia ser diferente, já que os animaizinhos da redondeza não deixavam sobrar nada para nós humanos.

Um dia estava uma família de sanhaços dividindo um abacate lá no alto das alturas, na ponta de um galho quando o abacate, todo furado daqui e dali, despencou!  Despencou atingindo a cabeça de uma catita. Os pássaros, sentindo-se parcialmente responsáveis pelo acidente voaram lá pra perto do pequeno mamífero.

_ Vocês estão querendo acabar com a minha raça é? - ouviram da vítima.

_ Desculpe-nos. Não tivemos a intenção. Podemos ajudar?

_ Podem sim. Voem de volta e mandem um abacate inteiro, maduro e bem grande para a comunidade dos gambás. E muito obrigado pelo favor.

E voou a família de sanhaços pro alto em busca da encomenda. Achar foi fácil, derrubar a frutona, nem tanto. Mas ela caiu, rolou e parou ao encostar-se a um formigueiro.

_ Mandem outro que esse não valeu! O formigueiro é de “lava pés”. Não dá para enfrentar o exército delas! - o grito fez-se ouvir do solo para o céu.

_ Ta bem, ta bem! Aí vai outro abacate, e aproveite a casca em cuia, para usar de capacete, viu?

Riram todos.

Passados uns tempos o abacateiro apresentou sinais de velhice fomos buscar um médico de árvores. Então veio o agrônomo, auscultou o tronco e para nossa tristeza diagnosticou:

_ Está morto!

_ Morto sem ao menos cair? - perguntamos  inconformados.

_ É. E vai demorar a cair.  Se  assim desejarem, podem mandar retirá-lo para, na queda, não machucar alguém de qualquer espécie que seja.

Naquele dia ninguém riu.

Fui eu a cuidadora do pomar, para a janela e... Pensativa, com o cotovelo apoiado no peitoril, segurando o queixo com a mão fiquei. Durante muito tempo observei as folhas secando e caindo aos montes. Os galhos sem roupas deixando à mostra: casa de joão de barro, ninho de sabiá e toca de outros moradores.

Ainda presenciei a “sabiá abacateira” despedindo-se da vizinha e comadre “joana de barro”:

_ Apareça lá em casa! É no “condomínio laranjeira”. Procure por dona “sabiá laranjeira”, pois estarei de volta às origens.

Ao que respondeu a companheira do joão de barro:

_ Nós estamos construindo na entrada da cidade. Passe lá também. É no alto do segundo poste de sinal de trânsito.

A cena entristeceu-me.

E assim expostos aos gaviões e tucanos, ninguém queria morar mais lá no abacateiro desfolhado. O “condomínio” ia, com o tempo, ficando abandonado.

Depois que o abacateiro deixou toda sua roupagem e as aves do céu não residiam mais nele, chamei um artesão de gamelas para cortá-lo, e fazer um bom proveito. Ao ver os vinte metros de altura da árvore o homem concluiu que haveria de precisar de uma equipe.

Enquanto ele organizava a equipe muitos dias se passaram...

Não só eu observava cotidianamente o que se passava na galhada do abacateiro, outrora tão cheio de vida. A vizinha observava com binóculo o bater de asas, a cantoria, o vai e vem de passarinhos e comentava:

_ Podes crer, a árvore hoje é um mirante para todas as espécies emplumadas da redondeza. É o ponto mais alto para procurarem alimento ao longe; observarem a aproximação do predador e fugirem; atrair a fêmea para o acasalamento. Perderemos todos estes espetáculos da natureza.

Então vou propor à equipe, que já deve estar chegando, a montagem de um mirante substituto primeiramente.

_ Poderá ser uma boa solução, que trará vantagens a todos, enquanto as outras árvores crescem, as aves terão seu pouso!

A equipe de salvamento do “pouso seguro” estava a confabular e a passarinhada ouvindo. Dali a pouco acontecia o inverso: a equipe “salva natureza” silenciosa, observava tronco, galhada seca e seus muitos bichos ali de passagem, e os bichos fazendo a maior zoeira.

O que estariam conversando?

_ Bem que eu vi, bem que eu vi...

_ U quê, u quê, u quê?

_ Roanc... Roanc... Roanc...

_ Psiu! Psiu! Psiu!

Eram exatamente nesta ordem: bem te vi, maritaca, tucano e tiziu trocando idéias, para em seguida voarem para os meus ombros e cochicharem ao meu ouvido:

_ Pode retirar a velha árvore que visualizamos um excelente local substituto do nosso mirante natural.

Antes que eu pudesse indagar:

_ Onde? Onde? Onde?... – voaram pro meu terraço, cobertura da casa em que moro.

Ainda acompanhei com os olhos o bando voando e ocupando a antena da tv; a chaminé da churrasqueira; o varal e a cumeeira do meu telhado.

Tive a impressão de ouvir risos. Era o gavião:

_ Pinhé... pinhéé... pinhééé...

E mais algumas aves fazendo coro:

_ Car... cará... cá... cá!

_ Car...cará... cá... cá! 

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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que “escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia.”

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