março 07, 2014

São Dodges

O Doginho douradinho.

O décimo sexto salário ia chegar. Planos e mais planos eram feitos, individualmente ou pelo casal:

- Como residiam em casas da Empresa... reforma do imóvel estava fora de cogitação.

- De outros móveis não necessitavam, pois a residência era pequena.

- Eletro-eletrônicos para maior conforto, também tinham os de que precisavam.

Restava a opção de investir num novo carro usado para viagens mais tranqüilas.

O sistema ali funcionava mais ou menos assim: o chefe da seção oferecia seu carro para um dos subordinados. Ia comprar um automóvel zero, depois das férias na praia e precisava vender o atual. 

A agência não oferecia o que o carro valia. Afinal carro de um dono só, cuidadoso, que só enchia o tanque com gasolina aditivada, nunca havia batido... uma verdadeira raridade, afirmava convicto! A conversa diária, no horário do cafezinho do expediente da repartição era interminável:

-os pneus estão novos; a quilometragem pouca; só fez revisão na concessionária autorizada; até conservou o cheirinho do estofamento de fábrica! 

-é macio; tem bom desempenho; econômico; sem um arranhão; e alem disso tudo, as calotas 

trocadas o fizeram mais atraente.

No fim de semana, famílias reunidas no clube campestre, o carro foi apresentado aos compradores:

- Sei que não é bem o Dodge Dart do imaginário coletivo, mas é o que posso dar-te benzinho! - disse o marido comprador fazendo trocadilho e abraçando a esposa.

E ela, no mesmo tom:

- Você está querendo dizer que o Dojão não pode ser Paraty né amor? O doginho está muito bom. Se é o que você quer... eu e as crianças ficamos satisfeitas. Ficar sem carro é que não podemos.

E no dia que a Empresa pagou a participação dos seus lucros foram realizadas muitas vendas de carros por ali. Todos que compraram carros dos que iam adquirir o zero quilômetro venderam os de sua propriedade para colegas. Só negociou carro velho na agência de semi-novos quem não teve outra opção. Semelhante àquelas intermináveis correntes ou pirâmides de “compra e venda”.

E a família saiu dali satisfeita no doginho de tonalidade marron asteca que rendeu-lhe o apelido carinhoso de “douradinho”.

Nas férias visitando os parentes no interior foi que apareceu o defeito: O carro era baixo e arrastava o fundo nas estradas de terra a caminho das fazendas e roças.

Assim mesmo o novo dono gostou tanto do carrinho que passou a trocar sempre por aquela marca até, que muito sentido, o viu sair de linha.

E a família... passou a curtir as férias no campo, voltando pra casa com um mundo de presentes dentro de um carro “três volumes”: saco de milho verde, franguinho caipira, abóbora madura, mexericas, broas de fubá e pamonhas deliciosas!


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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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