Residia em Ibirité, viajava para Belo Horizonte várias vezes ao dia. Era motorista do ônibus da viação Amazônia. Sua irmã pegava carona com ele algumas vezes para resolver assuntos que só teriam solução na capital da Minas Gerais. eram muito amigos, principalmente pela proximidade de idades. Nem por isso ele deixava de vigiá-la no aspecto namoro. Alertava-a sempre que tinha chance quanto aos maus intencionados, mesmo que fossem seus colegas. Ela por sua vez temia, por não se achar atraente. O que tinha de bonito eram os cabelos negros e lisos, como os das índias, e deles cuidava muito bem. Roupa de marca não tinha e estava sempre a dispensar a pintura em volta dos olhos devido a uma doença que diziam acometer só os ricos: alergia.
No trajeto Ibirité a Belo Horizonte ela tirava um cochilo para a brir bem os olhos na Praça da Cemig e ir atenta às outras referências urbanas e não se perder: Avenida Amazonas com Contorno, Praça Raul Soares e a Sete de Setembro, onde descia antes da condução virar para os lados da Estação Rodoviária. O irmão se despedia dela com o costumeiro: _Vá com Deus! E combinavam a volta para casa, onde os pais e os irmãos menores os aguardavam com o jantar pronto e vendo a novela das oito.
Se para o rapaz a cidade não tinha mistérios, para a mocinha sim. Muitas vezes temeu atravessar ruas movimentadas, ou mal sinalizadas; olhou com desconfiança quem andava a seu lado na calçada e, ao menor esbarrão, pressionava ainda mais a bolsa debaixo do braço. Ainda não era moda usar mochila.
O tempo foi passando. Terminando o ensino médio ela arrumou emprego de acompanhante de idosa, enquanto o irmão, que fez o supletivo graças a uma bolsa conseguida de um político, fazia cursinho para entrar na faculdade pública. Até conseguiu passar no vestibular, mas a incompatibilidade de horários entre o emprego e o estudo o fez buscar a PUC, onde com meia bolsa, a duras penas, ia levando adiante o sonho do curso superior.
A acompanhante de idosa trabalhava numa casa do bairro de Lourdes, imediações da Praça da Liberdade, desfrutando de linda paisagem, fontes, jardins, e palmeiras imperiais onde os bem-te-vis eram ouvidos a todo momento. De vez em quando uma manifestação política naquele local desassossegava os habitantes da região, atrapalhava o trânsito, atrasava as conduções e os trabalhadores chegavam mais tarde em casa após a jornada de trabalho.
Nos primeiros meses, os irmãos se desencontrando no retorno ao lar, preocupavam-se. Passados uns tempos, já sabiam: ano eleitoral pipocavam greves e protestos. Nas perifierias pivetes agiam em maior número de vezes num recado claro à população: _Votem na oposição, pois os situacionistas não estão preocupados com a segurança dos eleitores da metrópole. E outras coisinhas mais.
Chegada a campanha eleitoral, os comícios atraíam multidões à Praça da Liberdade, vindas das redondezas, em ônibus fretados pelos políticos majoritários nas cidades componentes da grande Beagá. Depois dos discursos cheios de promessas, música e bebida distribuída da carroceria de um caminhão, matava as sedes do corpo e da alma das pessoas ali presentes. Foi uma dessas manifestações, talvez festejando Tancredo presidente do país, que se formou o casal: Waldetti e Waldomiro. Ela nascida no Parque Durval de Barros, criada em Ibirité, ora trabalhando em Belo Horizonte. Ele nascido no Hospital Mater Dei, residente em Lourdes, trabalhando no gabinete de um deputado na Assembléia Legislativa do Estado, tudo em Belo Horizonte mesmo.
Ela a levou em casa de carro, entrou, conheceu sua família, tomou um cafezinho. Ela esqueceu a timidez e convidou-o para o churrasco do seu aniversário no fim de semana.
Seu irmão, chegando da faculdade à meia noite, soube da novidade e ficou ressabiado. Aos poucos foi se acostumando à idéia de ter uma irmã adulta, que podia conduzir-se e escolher companhia para trilhar os próprios caminhos. O cunhado até que não era má pessoa, conjeturava.
Nesse ritmo, o motorista virou doutor, Waldomiro vereador e casou com Wladetti, agora formada auxiliar de enfermagem. Seus pais, motivados pela companhia que teriam na capital, adquiriram imóvel financiado e foram todos morar em Beagá, onde os outros filhos poderiam prosseguir os estudos e trabalhar. Moravam no bairro Santo Agostinho, cada núcleo familiar no seu apartamento, próximos a tudo que precisavam. Quem trabalhava um pouco mais distante chegava à Câmara de Vereadores em trinta minutos, descansado.
Certo dia, Waldetti se preocupou com o atraso do marido, sempre pontual. Telefonou para os pais e o irmão. Ficaram trocando telefonemas da hora em hora para darem notícias de onde Waldomiro não esteve, onde esteve, mas já havia saído, e de quem mais pudesse informar seu paradeiro. Sem indício nenhum, acionaram a polícia. Ninguém teve paz a partir daquela data. Uns meses se passaram e nasceu Waldomira, primogênita de Waldetti e Waldomiro, onde quer que estivesse. Passados alguns dias do pouso da cegonha, uma esperança surgiu nas investigações: num ponto perto da BR fora visto o carro do vereador. No ponto de ônibus seguinte, em direção à São Paulo, não só o "pardal" registrou a passagem daquela placa, quanto alguém reconheceu o vereador ora candidato a deputado. Então o detetive particular matou a charada: www ponto com ponto bê erre, o cara tinha fugido com a namorada virtual!
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