René Magritte, O Falso Espelho, 1928. |
Chegando na parte clínica do curso de psicologia me deparei com a seguinte questão: essa pessoa tem demanda para terapia ou, simplesmente não tem demanda. As palavras eram foscas como o box do chuveiro em dias frios e eu levei um tempinho para desembaçar esse vidro.
Depois o assunto ressurgia em modestas dúvidas sobre se outras pessoas deveriam, ou não, fazer terapia. E por que o colega achava que o desafeto deveria fazer terapia? Simplesmente porque o outro carrega o rótulo de "pessoa difícil", como as que descrevi neste post anterior. Ou por falta de saber lidar com essas pessoas, o que você pode ler aqui.
A demanda é o que chamo de "ter assunto" para uma terapia. Pode ser um problema que, na maioria das vezes, chega em forma de um pedido de solução. Por exemplo, a esposa reclamando do marido passivo-agressivo (leia mais sobre o tema aqui). A expressão "mudar o marido" não é usada, mas está implícita no discurso. Ela pede uma solução para o que lhe incomoda, o marido. O caso é válido tanto para homens e mulheres, mas eu vou usar aqui um gênero só, para facilitar a escrita, mas entendam sempre como válido para ambos.
Uma demanda clara e precisa chega no consultório assim "meu marido bebe e eu quero que ele pare de beber". Mas é comum chegar algo do tipo "meu marido não me ajuda, esquece das coisas, ninguém sabe por que ele faz isso." Mesmo demandas óbvias podem ter o foco equivocado. Por exemplo "estou insatisfeita com meu casamento, quero que meu marido faça terapia". Essas demandas são expostas nas primeiras consultas de maneira desesperada e nem sempre elaboradas como estão colocadas aqui. Senão seria fácil, não é mesmo?
Estabelecida a necessidade, de quem é a demanda? Então vamos lá.
Por mais passivo-agressivo(a) que o seu parceiro(a) possa ser, lembre-se que existe a possibilidade dele(a) não ter a tal demanda para terapia. Eu sei como é deprimente ouvir isso, mas a demanda implica numa busca que só é pessoal. Ninguém busca para o outro. Também é preciso entender que algumas pessoas simplesmente não estão procurando, coisa nenhuma. O marido passivo-agressivo, por mais sabotador que seja, pode não ter "assunto" para uma terapia pessoal. Pode até fazer, melhor dizendo, pode até ir ao consultório toda semana (e o faz para acalmar a alguém), mas vai falar de jogos, dos amigos e assuntos cotidianos sem se aprofundar em indagações a respeito de si ou de como age ou melhor, reage. O famoso jogar dinheiro fora e perder tempo com terapia pode ser isso.
Entendo a frustração de um(a) paciente que chega ao consultório trazendo a urgência de um problema altamente corrosivo e ouve algo parecido com "mas por que você quer que ele faça terapia?" A pergunta pode soar como um espelho colocado na frente de um rosto queimado. Tudo leva a crer que dói mesmo como uma queimadura, também por isso leva tempo e requer confiança para perguntar. O profissional precisa captar aquela vaga demanda que chegou e interagir formulando a questão para aproveitar o espaço da diligência que está aberta. A pessoa que chegou ao consultório com um pedido e está a procura de algo melhor para si.
E eu não pretendo dizer que o passivo-agressivo do exemplo não deva fazer tratamento. Sim, ele deveria; se quisesse. Poderia, se estivesse revendo suas atitudes. Existe uma indicação, mas falta a demanda pessoal. É claro que o mundo seria melhor se as pessoas estivessem revendo suas atitudes e as melhorando, mas não é o que acontece.
Alguns estão aí só para se divertirem, outros só querem provocar risos (a qualquer custo), muitos que resmungam de tudo, os que vivem a vida que tem para viver, alguns que trabalham muito, outros que se aproveitam dos que precisam trabalhar. Tem os que só cuidam dos filhos e ao contrário, os que só pensam em si, os que usam mídias sociais como fuga da interação física. E estas são apenas constatações de fatos sem nenhum juízo de valor.
Minha sugestão para você que chegou nesse ponto e vírgula de questionar o comportamento do outro. Aproveite seu interesse em saber porque o outro te desperta tais sentimentos, dedique-se à investigação que está subentendida. Vá em busca da sua indagação.
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Isabela: designer, estudou psicologia clínica, especialista em tecidos automotivos, trabalha inclusive com análise de tendências de design e comportamento humano. Está morando fora do país, por isso tem coisas interessantes para compartilhar.
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