Residir numa cidade interiorana de pequeno
porte, até 50.000 habitantes, por exemplo, pode ser bom e proveitoso para
ambos: o (a) aposentado (a) e a cidade. Esta ganha, novo/velho habitante, quase
sempre com iniciativas voluntárias a beneficiar a comunidade local, aquele (a)
ganha com ritmo de vida mais sossegado, menos poluição, mais calor humano. Não
raro, os que chegam, acabam trazendo coisas novas, maneiras diferentes de
solucionar problemas, contribuem com artigos publicados nos periódicos locais,
programas voluntários de ajuda ao próximo, e até se unem aos demais colegas em
situação semelhante e trabalham!
Esse trabalho, de ajuda recíproca ou troca,
chega a ser modelo de tão interessante! Algumas pessoas já trazem idéias do que
fazer: arte, artesanato, plantação, colheita, consertos, livro, resgate da
história local e até reformas e construções. Nem sempre edificam primeiramente
o próprio sonho, pois aprenderam na vida a discutir de maneira democrática o mais
necessário ao momento.
Ser bem recebido (a) é essencial aos
primeiros contatos. Geralmente são os parentes a fazer isto. O primeiro círculo de amizades é de parentes
dos parentes e de amigos dos amigos. Depois vêm os colegas do “jaque”. São os
que, despretensiosamente se aproximam, entabulam conversa e fazem o convite:
-“Já que” você encontra-se aposentado, quem sabe aparece um dia na nossa
Associação a colaborar conosco? _E é assim que o novato vai tornando-se de
casa.
Ao
chegar, em sua terra natal, tímida e modestamente aposentada, Rosa curtiu a
ausência do horário rigoroso de seu emprego e a liberdade só experimentada ali
mesmo, em tempos idos de uma “infância querida, da aurora da vida”, que nada
faria voltar.
Logo descobriram sua habilidade artística e
ela ensaiou uma ida regular às escolas locais para ajudar no que fosse
necessário.
No
inverno, saindo à caminhada, de manhãzinha, teve ímpeto de voltar assustada com
as pessoas que viu nas esquinas e portas das casas: vestidas de roupas pouco comuns,
algumas peças superpostas, gorro, luvas e ainda carregando um embornal de forma
e cor indefinidas (depois soube que dentro havia marmita e garrafa térmica). Aguardavam
ali a passagem da condução a levá-las: caminhão com capota de lona e bancos na carroceria.
Eram os apanhadores da safra anual de café, seguindo para as fazendas, sítios,
chácaras, roças donde traziam sustento pro ano todo. Ao ser proibido esse tipo
de transporte de risco, pelo número de vítimas feitas no país, novas soluções
surgiram: eram kombis, vans, carros comuns a fazer o transporte do trabalhador
para o meio rural. Os mais jovens até tentaram ir de moto para descobrirem, que
esse veículo era muito caro para se acabar na poeira do chão irregular, sujeito
a chuvas, derrapagens de encontro a pedras e barrancos e muitos dias de molho
para curar as dores.
Rosa decide então que vai retratar tudo
aquilo em sua arte. Pintou um quadro, dois, vários... Tudo em tons suaves,
idealizado, quase romântico!
Não
satisfeita resolve ver de perto a atividade da colheita. Tinha umas amizades na
vizinhança, conversou e foi junto numa manhã de julho, o mês mais frio do ano.
Lá chegando, andou pelas ruas do café, observou, perguntou e arriscou a ajudar
uma idosa a encher o pano. Encerrando a jornada, voltou pra casa e pôs tudo no
computador.
Era um pessoal que acordava muito cedo,
antes do sol. De muita coragem pra se por de pé naquela friagem da madrugada.
Muito trabalhador também, pois começava o dia preparando café pra beber e
encher as garrafas, e o almoço que ia levar.
A condução passava e pegava os apanhadores
de café conforme o combinado: na porta de casa, em grupos nas esquinas, ou uns
nas casas dos outros colegas. Se parasse menos seria mais rendoso o tempo, o
serviço, o dinheiro. E lá iam eles sacolejando nas poeirentas estradas rurais.
Nem conversavam. Uns conseguiam cochilar, talvez pela idade que já não era
pouca. Nem muita, mas apresentavam bem mais do que os anos vividos na luta pela
sobrevivência com o suor do rosto. Dizem que a vida saudável do campo faz viver
bem. Ali, observando rostos, cabelos, mãos e pés deles, não dava para concluir
que desfrutavam de boa qualidade de vida. Alguns vestiam a mesma roupa a semana
toda, para ver água e sabão só no sábado, quando tinham tempo. As luvas, que
seriam proteção, desgastavam-se depressa e eram usadas assim mesmo. Os calçados
variavam de botinas de couro, tênis surrados, a botas e chinelos de borracha.
Enquanto os homens cobriam a cabeça com boné ou chapéu de palha, as mulheres
amarravam lenço sobre os cabelos, antes de colocar o chapéu.
Chegando à plantação, a turma se espalha
pelas ruas de café, dando continuidade ao serviço já começado anteriormente.
Pano estendido ao chão, mãos à obra, de galho em galho, derrubando os frutos
vermelhos e brilhantes.
Completando a capacidade do pano, cada
apanhador leva ao “tomador de conta” que registra diante do nome a quantidade
de fruto colhida. Sempre os mais jovens à frente, enchendo panos e mais panos,
em seguida as mulheres e depois os idosos, todos satisfeitos com o pagamento na
sexta feira. Depois de almoçarem e descansarem proseando por ali mesmo, a tarde
voa.
A região não sofre desemprego esporádico.
Ora colhendo café, ora tangerina, é possível obter dinheiro pro ano todo. De
tradição rural, os que residem no campo conseguem fazer render os ganhos com
energia elétrica mais barata e água de mina. Os residentes na cidade
complementam a renda com o trabalho de domésticos.
Às dezesseis horas saem todos juntos,
cansados, na condução que os trouxe. Mães de família passam nas creches pegando
os filhos pequenos antes de retornar ao lar para as tarefas restantes. Outras
aguardam em casa o ônibus escolar a trazer o resto da turma.
Assim passa o período da colheita.
Há quem diga que os apanhadores de safra
ganham muito bem. Rosa conclui que ganham com muita honradez o pão nosso de
cada dia, isto sim. São bons exemplos de gente que trabalha para o engrandecimento
do país!
E o quadro pintado por ela depois dessas
andanças, ficou tão realista que se podia sentir o sabor e o cheiro de café
coado na hora.
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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