agosto 11, 2013

O Conto da Carochinha


Num país inexistente, num tempo que não houve, personagens imaginários dançavam em volta de uma fogueira sem chamas e cantavam para suas sombras. Saldavam o dia, despediam-se à noite ali juntos, cada qual com seus sonhos... Sonhavam!

Sonho sem imagem definida, sem som identificável, descolorido e desbotado. E sonhando pareciam sorrir. Ao nascer do dia, lá estavam eles: personagens de pesadelo, procurando o que lhes alimentasse, matasse a sede, suprisse incontáveis e não identificadas carências. Mas lá estavam unidos, no imaginário coletivo.

Mergulhando num líquido intocado, iniciavam-se. Deixando um gás penetrar-lhes, ganhavam vida. Aquecendo-se aos raios de um astro brilhante, energizavam-se. À medida que, movimentos no entorno mexiam com cada um deles, dependendo das evoluções que faziam, ganhavam saliências e reentrâncias diferentes. A cada desejo de se agruparem, brotavam-lhes tentáculos como se fossem canais de busca e comunicação.

À proporção que proliferavam, o instinto gregário agia, o espaço em torno diminuía. E diminuindo, foi incomodando...

Teve início então a primeira, a segunda, e outras várias disputas territoriais. Uns migravam, outros faziam aglutinações e os mais resistentes resistiam. Vieram tempestades de meteoros, descargas energéticas de direções diversas e composições diversificadas. Os mais adaptáveis sobreviveram!

Seres disformes se entendiam por gestos e grunhidos, movimentando-se desajeitadamente. Coisas diferentes iam surgindo e desenvolvendo-se aleatoriamente, do chão. Fogo nascido da mais alta protuberância lançando lava, petrificava resíduos, aquecia águas, formava um gás ainda desconhecido, e muito volátil...

Dessa maneira, ali surgiram os primeiros monstros: os dos contos da carochinha! Outros personagens, menos competitivos, mais afáveis foram caindo do espaço naquele torrão. Conviver era preciso mesmo que parecesse impossível.

Outros territórios foram demarcados embora nem sempre respeitados. Quando acabavam reservas nutritivas aqui, tentava-se buscar ali. Tiveram início as disputas memoráveis!

Entes fantásticos invadiam onde houvesse o que desejavam. Destruíam, tiravam vidas, faziam escravos e apossavam-se dos objetos de seus desejos. Não raro, até mesmo por muito quererem, escravizavam seus semelhantes e complementares!

Surgidos então os dominadores e os dominados, apareceram os enredos fantasiosos da carochinha. Não tendo ainda uma comunicação elaborada, para um entendimento universalizado, contavam pequenas histórias de conquistas e derrotas; de monstros disformes, ogros, duendes, bruxas e fadas em garatujas riscadas nas rochas, por sinais, gestos e sons guturais. Perpetuavam tradições através dos tempos narrando feitos dos seres destemidos, dos que os temiam, e dos aterrorizadores que a todos aterrorizavam.

Uns agiam com força física descomunal, outros com forças advindas de fontes ignotas. A maioria modificava destinos alheios, tanto com seus poderes sobrenaturais quanto com sua força bruta.

Em cada conto da carochinha, um rascunho se delineia, das dificuldades até hoje enfrentadas por seres humanos.

Ora somos “Pequeno Polegar ou Polegarina”, “Joãozinho ou Maria”, “Lobo ou Chapeuzinho Vermelho”, “Príncipe ou Bela Adormecida”...

Ora se desentendendo como “Branca de Neve” e sua madrasta; ora disfarçando-se sob uma “Pele de Asno”; ou ainda despencando da torre da “Rapunzel”...

Podendo ser “Feras buscando Belas”, e vice versa; “Cinderelas” ou “Gato de Botas”, saindo do anonimato para ingressarem na realeza...

Ainda poderemos ver, em sonhos, o Saci, a Iara, e o Visconde de Sabugosa caracterizados de “Capitão Gancho, Sininho e Peter Pan” convivendo, pacificamente, na Terra do Nunca.

Só mesmo na TERRA DO NUNCA!
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leave your comments here.