Num país inexistente, num tempo que não
houve, personagens imaginários dançavam em volta de uma fogueira sem chamas e
cantavam para suas sombras. Saldavam o dia, despediam-se à noite ali juntos,
cada qual com seus sonhos... Sonhavam!
Sonho sem imagem definida, sem som
identificável, descolorido e desbotado. E sonhando pareciam sorrir. Ao nascer
do dia, lá estavam eles: personagens de pesadelo, procurando o que lhes
alimentasse, matasse a sede, suprisse incontáveis e não identificadas
carências. Mas lá estavam unidos, no imaginário coletivo.
Mergulhando num líquido intocado,
iniciavam-se. Deixando um gás penetrar-lhes, ganhavam vida. Aquecendo-se aos
raios de um astro brilhante, energizavam-se. À medida que, movimentos no
entorno mexiam com cada um deles, dependendo das evoluções que faziam, ganhavam
saliências e reentrâncias diferentes. A cada desejo de se agruparem,
brotavam-lhes tentáculos como se fossem canais de busca e comunicação.
À proporção que proliferavam, o instinto
gregário agia, o espaço em torno diminuía. E diminuindo, foi incomodando...
Teve início então a primeira, a segunda, e
outras várias disputas territoriais. Uns migravam, outros faziam aglutinações e
os mais resistentes resistiam. Vieram tempestades de meteoros, descargas
energéticas de direções diversas e composições diversificadas. Os mais
adaptáveis sobreviveram!
Seres disformes se entendiam por gestos e
grunhidos, movimentando-se desajeitadamente. Coisas diferentes iam surgindo e
desenvolvendo-se aleatoriamente, do chão. Fogo nascido da mais alta
protuberância lançando lava, petrificava resíduos, aquecia águas, formava um
gás ainda desconhecido, e muito volátil...
Dessa maneira, ali surgiram os primeiros
monstros: os dos contos da carochinha! Outros personagens, menos competitivos,
mais afáveis foram caindo do espaço naquele torrão. Conviver era preciso mesmo
que parecesse impossível.
Outros territórios foram demarcados embora
nem sempre respeitados. Quando acabavam reservas nutritivas aqui, tentava-se
buscar ali. Tiveram início as disputas memoráveis!
Entes fantásticos invadiam onde houvesse o
que desejavam. Destruíam, tiravam vidas, faziam escravos e apossavam-se dos objetos
de seus desejos. Não raro, até mesmo por muito quererem, escravizavam seus
semelhantes e complementares!
Surgidos então os dominadores e os
dominados, apareceram os enredos fantasiosos da carochinha. Não tendo ainda uma
comunicação elaborada, para um entendimento universalizado, contavam pequenas
histórias de conquistas e derrotas; de monstros disformes, ogros, duendes,
bruxas e fadas em garatujas riscadas nas rochas, por sinais, gestos e sons
guturais. Perpetuavam tradições através dos tempos narrando feitos dos seres
destemidos, dos que os temiam, e dos aterrorizadores que a todos aterrorizavam.
Uns agiam com força física descomunal,
outros com forças advindas de fontes ignotas. A maioria modificava destinos
alheios, tanto com seus poderes sobrenaturais quanto com sua força bruta.
Em cada conto da carochinha, um rascunho se
delineia, das dificuldades até hoje enfrentadas por seres humanos.
Ora somos “Pequeno Polegar ou Polegarina”,
“Joãozinho ou Maria”, “Lobo ou Chapeuzinho Vermelho”, “Príncipe ou Bela
Adormecida”...
Ora se desentendendo como “Branca de Neve”
e sua madrasta; ora disfarçando-se sob uma “Pele de Asno”; ou ainda despencando
da torre da “Rapunzel”...
Podendo ser “Feras buscando Belas”, e vice
versa; “Cinderelas” ou “Gato de Botas”, saindo do anonimato para ingressarem na
realeza...
Ainda poderemos ver, em sonhos, o Saci, a
Iara, e o Visconde de Sabugosa caracterizados de “Capitão Gancho, Sininho e
Peter Pan” convivendo, pacificamente, na Terra do Nunca.
Só mesmo na TERRA DO NUNCA!
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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