agosto 03, 2013

Evoluindo

Quadro da Beth.

Ele cavalgava com os netos pela extensão das terras que pertenciam à sua família há mais de um século e ia comentando:

_ Aqui era tudo pé de café; ali o laranjal; mais adiante as casas dos colonos e a vendinha; o resto era pasto, as roças de milho, a matinha e o córrego. A sede, uma casa grande feita de taipa pilada, foi substituída por esse nosso ranchinho. À sua volta ficavam: pomar, galinheiro, horta de verduras, e no caminho íngreme do curral e banheira do gado, ladeado de “bageiras” avistava-se as fazendas vizinhas. Meu pai, o bisavô de vocês, tinha uma caminhonete e um trator, veículos que o pai dele nem sonhava ter um dia. À noitinha depois da janta, gerador já ligado ouvíamos o rádio, em volta da mesa numa sala alumiada!

Enquanto os netos eram crianças, ouviam o avô e faziam perguntas, as mais diversas que ele respondia com boa vontade: os flamboaiãs eram conhecidos como bageiras, pois suas sementes nasciam dentro de vagens ou bagens; a banheira carrapaticida pro gado consistia num corredor com escorregador e água com medicamento, que hoje é aplicado através de frascos em aerosol. E assim por diante...

Os meninos cresceram, continuaram a frequentar o sítio Santa Maria, mas agora, proprietários de suas próprias montarias e bezerros, cavalgavam ao lado do avô, invertiam o papel de outros tempos com bom humor:

_ Aquelas ruínas ali eram de uma casa bem assombrada! Daquela porteira velha o tio caiu um dia e ainda levou uma surra por ter ficado balangando e tirado ela dos gonzos; aquele eucalipto grandão ali dá pra comprar um tanto de terra que nem essas!

As histórias dentro da História, que faz a fazenda virar sítio, o sítio virar chácara, a chácara virar quintal da casa na cidade, tem vários aspectos. Quem teve o privilégio de viver num mundo de mudanças ou transformações enriquece, com relatos verbais, o que contam os livros escolares.  

Quando fazendeiros tinham colonos e a eles emprestavam um pedaço de chão para cuidarem de roças próprias; mantinham uma venda para terem artigos ali não produzidos; levava-os à cidade próxima para consultas médicas; eram padrinhos das crianças ali nascidas... E o pagamento em dinheiro acompanhava as modestas necessidades dos trabalhadores.

Depois que esses mesmos colonos passaram a receber só o dinheiro por pagamento à sua força de trabalho, tendo pela primeira vez liberdade para gastar como quisessem, passaram por um difícil período de adaptação. Muitos deles, viciando-se em bebidas alcoólicas nos dias de folga, desestruturam suas famílias, mudaram-se para os centros urbanos, passando necessidades diversas. Os poucos que ficaram, porque os fazendeiros nem sempre davam conta de tantos direitos trabalhistas, tinham liberdades e as responsabilidades correspondentes.

As plantações de subsistência nas fazendas foram definhando com o número menor de trabalhadores braçais. As monoculturas aumentaram porque ficava mais barato comprar produtos beneficiados ou prontos do que manter mais funcionários para produzi-los (ainda mais que plantações e pastagens sempre ficam a mercê das chuvas e estiagens). Então, as modificações instaladas, geraram nova paisagem sócio-geográfica.

Os tempos mudam, e como! Quem melhor se adapta mais chances terá de ser feliz nos novos tempos.

Se antes um fazendeiro podia não ter estudo que diferença não fazia nos ganhos, agora não: Ser, ou ter, um administrador atualizado, é uma necessidade. E a moçada, sabendo disso, une o agradável ao útil. O gosto por criação e pelas cavalgadas no campo transformou-se em segunda opção de ganhos, além da formação universitária escolhida de acordo com outras aptidões.


E o vovô viu gerações e mentalidades de épocas tão diferentes convivendo bem e felizes, não só no vídeo game, baralho e lanches solicitados pelo celular, mas em vários outros espaços.

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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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