Quadro da Beth. |
Ele cavalgava com os netos pela extensão
das terras que pertenciam à sua família há mais de um século e ia comentando:
_ Aqui era tudo pé de café; ali o laranjal;
mais adiante as casas dos colonos e a vendinha; o resto era pasto, as roças de
milho, a matinha e o córrego. A sede, uma casa grande feita de taipa pilada,
foi substituída por esse nosso ranchinho. À sua volta ficavam: pomar,
galinheiro, horta de verduras, e no caminho íngreme do curral e banheira do
gado, ladeado de “bageiras” avistava-se as fazendas vizinhas. Meu pai, o bisavô
de vocês, tinha uma caminhonete e um trator, veículos que o pai dele nem
sonhava ter um dia. À noitinha depois da janta, gerador já ligado ouvíamos o rádio,
em volta da mesa numa sala alumiada!
Enquanto os netos eram crianças, ouviam o
avô e faziam perguntas, as mais diversas que ele respondia com boa vontade: os flamboaiãs eram conhecidos como bageiras, pois suas sementes nasciam dentro de
vagens ou bagens; a banheira carrapaticida pro gado consistia num corredor com
escorregador e água com medicamento, que hoje é aplicado através de frascos em aerosol.
E assim por diante...
Os meninos cresceram, continuaram a
frequentar o sítio Santa Maria, mas agora, proprietários de suas próprias montarias
e bezerros, cavalgavam ao lado do avô, invertiam o papel de outros tempos com
bom humor:
_ Aquelas ruínas ali eram de uma casa bem
assombrada! Daquela porteira velha o tio caiu um dia e ainda levou uma surra
por ter ficado balangando e tirado ela dos gonzos; aquele eucalipto grandão ali
dá pra comprar um tanto de terra que nem essas!
As histórias dentro da História, que faz a
fazenda virar sítio, o sítio virar chácara, a chácara virar quintal da casa na
cidade, tem vários aspectos. Quem teve o privilégio de viver num mundo de
mudanças ou transformações enriquece, com relatos verbais, o que contam os
livros escolares.
Quando fazendeiros tinham colonos e a eles
emprestavam um pedaço de chão para cuidarem de roças próprias; mantinham uma
venda para terem artigos ali não produzidos; levava-os à cidade próxima para
consultas médicas; eram padrinhos das crianças ali nascidas... E o pagamento em
dinheiro acompanhava as modestas necessidades dos trabalhadores.
Depois que esses mesmos colonos passaram a receber
só o dinheiro por pagamento à sua força de trabalho, tendo pela primeira vez
liberdade para gastar como quisessem, passaram por um difícil período de
adaptação. Muitos deles, viciando-se em bebidas alcoólicas nos dias de folga,
desestruturam suas famílias, mudaram-se para os centros urbanos, passando
necessidades diversas. Os poucos que ficaram, porque os fazendeiros nem sempre
davam conta de tantos direitos trabalhistas, tinham liberdades e as
responsabilidades correspondentes.
As plantações de subsistência nas fazendas
foram definhando com o número menor de trabalhadores braçais. As monoculturas
aumentaram porque ficava mais barato comprar produtos beneficiados ou prontos
do que manter mais funcionários para produzi-los (ainda mais que plantações e
pastagens sempre ficam a mercê das chuvas e estiagens). Então, as modificações
instaladas, geraram nova paisagem sócio-geográfica.
Os tempos mudam, e como! Quem melhor se
adapta mais chances terá de ser feliz nos novos tempos.
Se antes um fazendeiro podia não ter estudo
que diferença não fazia nos ganhos, agora não: Ser, ou ter, um administrador
atualizado, é uma necessidade. E a moçada, sabendo disso, une o agradável ao
útil. O gosto por criação e pelas cavalgadas no campo transformou-se em segunda
opção de ganhos, além da formação universitária escolhida de acordo com outras
aptidões.
E o vovô viu gerações e mentalidades de
épocas tão diferentes convivendo bem e felizes, não só no vídeo game, baralho e
lanches solicitados pelo celular, mas em vários outros espaços.
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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