Pintura Naif da Beth. |
Numa casa enorme, semelhante à casa da minha avó quando eu era criança, minha família se reuniu para uma conversa séria e decisiva. Nossos parentes de Portugal trouxeram de São Paulo para Minas: balcões, eletrodomésticos, e utensílios de uma cafeteria que tiveram e já não podiam manter. Fregueses bebiam café, mandavam colocar na conta, mas demoravam meses a saldar a dívida.
Assim sendo, o jeito foi desmantelar o negócio, passar uma tinta no prédio e tentar passar o ponto por bom aluguel. A cafeteria localizava-se na esquina da av. São João, lugar excelente para servir café de todo e qualquer tipo, sem ou com acompanhamento, que variava desde quitanda das roças de Minas até tortas e croissants do costume europeu.
Em primeiro lugar, dirigimo-nos aos fundos do casarão para ver de perto a cacarecada que entulhava, do corredor de entrada até o penúltimo cômodo da saída pro quintal! Alguém quis saber de quem tinha sido a ideia de atravancar assim uma moradia de doce recordação, grande e confortável. A dona da ideia, minha tia avó, assumiu a iniciativa de oferecer e dar apoio à parentada ora sem eira e sem beira, necessitada de alugar espaço para guardar tudo aquilo sem dispor de grana.
No decorrer da conversa cada qual deu um palpite sobre o que, como, e pra quem vender o desmanche do que fora a cafeteria mais apreciada do centro da cidade. Mas... como sempre há de ter um mas...
Foi chegando uma, e mais outra pessoa, afirmando que o melhor seria juntarem as economias familiares, e mudarem-se todos para Portugal onde o café brasileiro era apreciadíssimo, e trabalhando juntos teriam chance de sucesso no negócio.
Nisto avistamos o navio no porto, acenamos a quem já estava a bordo, preparando-nos para subir, carregando nos ombros aquelas peças enormes e pesadas da ex-cafeteria.
Começando a achar a história muito esquisita perguntei a uma tia de testa larga e nariz adunco o porquê daquele revertério. Ela respondeu-me estar seguindo sua intuição que sempre dava certo. E ainda explicou que a família toda era boa nisso de acertar intuitivamente em investimentos. Foi neste ponto do fato que tive um saracoteio raciocinando:
_ Se somos tão bons nos negócios, por que estamos falidos?
A dúvida era tão grande, que acordei assustada.
Não se tratava de um sonho. Foi sim um pesadelo causado por um café colonial deliciosamente extravagante e exagerado pela minha gulodice.
Não comi só o que tinha direito.
Devorei sonhos recheados de geleias, polvilhados de canela e muito açúcar.
_ Nunca mais!
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".