Acordar antes das 6 horas tornou-se um hábito por causa do alvoroço que os passarinhos fazem em seus ninhos na varanda. Estão saudando o sol da manhã e eu tomando meu café. Eles vão para a árvore de galhada seca. Observo-os. Primeiro surgem os miúdos, como o pardal, canário, sanhaço, e cantam que cantam. Passada uma horinha eles se vão e surgem as “pombas do ar”, que antigamente só eram vistas no campo. Parecem espreguiçar e prestar atenção no que acontece ao redor. Devagar vão aparecendo bem te vis, sabiás, joões de barro e gaviões pinhé.
E lá vem chegando, na maior gritaria, um
bando de maritacas a ocupar todos os galhos. Parece-me que é dessa árvore, a
mais alta do pomar, que os pássaros detectam onde está a refeição inicial do
novo dia. Então vão se dispersando aos poucos, maritacas por último. Aí chegam
os tucanos aos pares. Um, dois, três casais. No máximo quatro. Quem acha que
dois bicudos não se beijam precisa ver a passagem deles pelo meu quintal. Pode
ser que estejam disputando algo: o melhor lugar, a mais linda fêmea ou a
liderança, mas prefiro pensar que estão se beijando. Certo é que em poucos
minutos todos se vão, sobra o grandão lá no alto do galho.
Desisti de querer especificar quais as aves
mais freqüentes por estas paragens. Para mim basta a denominação que recebem
popularmente de acordo com o canto, o hábito, a plumagem, tipo de habitação ou
alimentação preferida: tiziu, beija flor, freirinha, joão de barro ou papa
goiaba. Fico à vontade para inventar apelidos também.
O que me intriga no momento é um pássaro
solitário que prefere pousar no pico da palmeira do quintal vizinho. É mediano,
de cor predominante escura e bico fino. Todos da casa sabem que ele chegou:
trina depois de levantar as asas agitando-as ritmicamente, e aí vai baixando a
cabeça, erguendo o rabo até ficar numa posição bem vertical, para então
finalizar seu repertório de tons. Repete uma, duas... várias vezes. Pode estar
chamando uma companheira que não vi chegar até hoje. Dali a pouco, desanimado,
lá se vai ele também. Desconfio que seja o “arrebita rabo”, mas não tenho
certeza.
Tudo isso vou vendo enquanto desenvolvo as
tarefas matinais: cuidados com o meu cãozinho, a seleção de lixo e a arrumação
do jardim donde trago flores para enfeitar a casa.
Voltando da caminhada pelo bairro, vou
pensar no cardápio do almoço e visito a horta colhendo as verduras, cheiro
verde e as frutas para a salada e o suco. É comum um teiú surpreender-me, um
novo ninho balançar na planta à minha frente, os brotos e botões das floradas
surgirem atraindo um enxame, e mais um monte de coisa quase impossível de
enumerar.
Sempre que “ponho o pé na rua” encontro
vizinhas, conhecidos ou amigas. Difícil não trocar umas palavras a mais que a
saudação habitual. As notícias recentes ou um simples comentário sobre a chuva
que vem vindo da serra, sobre o vento que dispersou a precipitação pluvial, o
rosa do céu anunciando a geada, ajudam a programar o dia.
O céu que me protege noticia o clima e a
queimada; prevê de plantio e emprego na colheita a safras e cifras do próximo
ano; e como se não bastasse, inspira fotos, pinturas, poesias, todo tipo de
arte enfim.
Nos fins de semana reúne-se a família a
jogar buraco ou no almoço dominical; põem-se a prosa em dia, fazem-se planos,
organizam-se novos encontros.
É este estilo simples de viver que me faz
bem: Atravessar a rua com três passadas, sair à noite para dançar carnaval na
praça, contar as badaladas do relógio da torre da catedral para conferir a hora
certa, escolher um tecido na loja para encomendar um vestido sob medida na
costureira, participar das festas populares tradicionais e das reuniões da
terceira idade sentindo-me parte de uma enorme família!
Do carro de boi e cavalgadas; romarias e
excursões... comentarei depois, porque agora estou ocupada ajeitando cantil,
chapéu e matula para ir também.
_ Tchau gente!
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".