agosto 05, 2013

Conversa sobre terapia, o livro.


Bilê Talit Sapienza reapresenta ao leitor, em seu livro Conversa sobre Terapia, a relação de ajuda em consultório psicológico. Nas 159 páginas, a autora fala sobre os assuntos pertinentes ao encontro psicoterapêutico com se estivesse em uma conversa informal com o leitor, sem, contudo perder a seriedade do assunto em momento algum.

Ela diz que é sempre uma questão fundamental do psicólogo saber que nem a terapia, nem o profissional podem tudo, independente da teoria utilizada. Contraditoriamente conhecer todas as teorias é tão importante quanto ignorá-las no momento do encontro com a história do paciente. Explica que o vazio, assim como o desamparo, surgem, mas que a compreensão também pode brotar a partir da calma e da atenção voltada para o paciente.

Talit afirma que a fenomenologia vai ser melhor para aqueles que não conseguem ver os pacientes encaixados em teorias, pois o foco é o ser. Assim, o psicólogo se sentirá realizado pelo “cuidado” na relação com o outro, pela corresponsabilidade das palavras faladas ou não; ou ainda pelo sentimento de angústia ao conhecer as próprias limitações humanas.

No encontro psicoterápico o paciente se entrega esperando somente compreensão. Num momento único, ambos reconstroem significados de uma história exclusiva que vai sendo refeita a cada sessão a fim de trazer um sentido exclusivo ao ser, o ser-no-mundo.

Desta maneira, a terapia fenomenológica consiste em deixar que as coisas e seus significados se mostrem para que possam ser reunidos e articulados. Trazendo o sentido por meio de um trabalho não padronizado que deve ser feito em cooperação entre os dois.

Hoje o paciente chega ao atendimento com motivos definidos por siglas e nomes como: TOC, depressão, bipolar, etc. E o terapeuta que se envolve no compromisso de livrá-lo dessa situação corre o risco de “ganhar tempo”, ao invés de “perdê-lo” desdobrando toda essa vida. “Perder” esse tempo ouvindo é o que faz a fenomenologia para tratar dos problemas trazidos pelo ser. O trabalho começa quando ambos estão recolhendo os pedaços dessa história. Só assim é possível re-ver tudo o que passou; ou não.

Pode parecer tarefa fácil, mas ao contrário, implica em mudanças radicais e pressupõe saber que a pessoa só muda por ela mesma. Isso faz pensar que então o psicólogo não faz nada, apenas ouve e tenta interpretar a vida de outra pessoa. Sim! Por acaso, isso lhe parece pouco? Vale lembrar que os fatos acontecidos não são mudados, mas a percepção sobre eles sim!

Tentar descobrir o porquê do acontecido, por outro lado, torna a situação cheia, mas de vazios. Afinal para Talit quem poderá saber o real motivo de algo que aconteceu? Se muitas vezes, nem as ditas ciências exatas, conseguem garantir a exatidão de uma variável no momento que está sendo observada? A terapia é também a observação, um olhar cuidadoso junto com o paciente sobre sua história. Um olhar diferente que intenciona significar.

Ser psicoterapeuta é cuidar de uma existência que sofre, pois quem busca a terapia tem algo doendo dentro de si. Mesmo que não saiba onde, como, ou o nome da dor da falta de um sentido na vida. “Só os humanos sentem essas dores. Porque só o homem com ser-no-mundo, existe na compreensão entrelaçada de significados que quer dizer mundo. E aquelas dores da existência, que só podem ser sentidas por um ente que compreende significados” p. 28.

Confirma o encontro psicoterapêutico como sendo o espaço para se ouvir falando dos pensamentos, sentimentos e ações, é também o momento de falar das complicações do ser que habita um espaço existencial, não físico e também para tratar do sentido da vida.

A terapia deve fornecer espaço para falar dos valores pessoais, mesmo quando o valor na vida da pessoa é ter êxito na carreira a qualquer custo. O terapeuta pode pensar sobre o significado do “outro” para este paciente, visto que o sofrimento de um sempre diz do sofrimento da humanidade e a fala de desprezo sobre outro ainda contem o outro.

O terapeuta pode apontar para o paciente o fato trazido em clínica, mas isso ainda não é compreender o significado daquela atitude para aquele ser-no-mundo. Há que se delongar na conversa, facilitando o aparecimento de outras histórias que serão tecidas artesanalmente no enredo da terapia exclusivamente por este paciente.

Os valores morais devem ser pontuados na terapia quando for algo importante para a existência do paciente, nunca porque não deve prejudicar outras pessoas. Afinal o propósito da terapia é cuidar do paciente e cuidando dele cuida-se do também do mundo que está nele.

O psicólogo pode abordar a situação de prejudicar outras pessoas para ascensão na carreira pelo viés dele fazer pouca coisa para ser realmente feliz. Trabalhar os significados de respeito, amizade, amor em contraposição ao grande objetivo de ser o mais bem-sucedido a qualquer preço. Visualizar com ele uma existência em marcha acelerada pisando no que estiver à sua frente para ter êxito e o círculo vicioso que o obrigará a deixar outros aspectos de sua vida atrofiados. Este parece ser um bom motivo para se desdobrar sobre esse valor.

O terapeuta abre e acolhe a fim de descortinar diversos fatos que são aguardados atenta e calmamente. Emergindo em algum gesto, postura ou palavra que poderá ser triste ou bem-humorada. Agir serenamente na terapia é essencial ao invés de equacionar problemas calculando soluções. Até porque, será insuficiente fazer isso quando ocorrer uma grande decepção ou abandono na vida desse ser. Experiências de vida precisam ser vividas e alguns problemas podem ser no máximo ultrapassados, nem sempre resolvidos.

Ela reflete sobre o terapeuta ser também aquele que confia na mudança do paciente. Através de uma conversa aparentemente simples que implica ouvir, falar e silenciar sem julgar ou interromper usando palavras corretas. O falar terapêutico sempre quer dizer algo e o implícito diz muito do que queremos sobre o outro. Ser cuidadoso nessa conversa mostra o entendimento sobre a existência de alguém que a princípio confia.

Isso não quer dizer que seja necessária seriedade ou profundidade em todas as sessões, pois na existência desse ser também ocorrem momentos de felicidade e leveza. Além disso, a terapia comporta brincadeiras que serão válidas para que os vínculos de confiança entre terapeuta e paciente. Para ela é tarefa do terapeuta perceber quando isso se torna difícil.

A técnica de uma terapia pode ser um jeito de conduzir a sessão e cada um desenvolve o seu jeito. Sempre se adequando e trocando informações com colegas de profissão. Entretanto, não se deve confundir com técnica advinda da ciência que cria e verifica hipóteses para chegar às leis que explicam um determinado fato. Fenomenologia, ao contrário, não é isso, mas também não quer dizer que devemos ignorar informações científicas.

O fato de não partir de referencial teórico, não ter técnica definida, não significa improvisar, pois esta abordagem lida com o fenômeno da existência tentando explicar ao paciente a existência dele. Olhando atentamente para o sentido único daquela vida a fenomenologia é terapêutica, pois terapia em grego significa servir, assistir, tratar com as interferências necessárias para se tornar o melhor possível. Um resgate do que foi perdido por algum motivo para devolver a responsabilidade dele de cuidar da sua própria existência.

Outras teorias se aprofundam em teorias exaustivas que até fazem o paciente acreditar nesse superpoder do terapeuta. Mas a fenomenologia implica muito estudo e dedicação exclusiva para mostrar ao ser humano o que ele é. Alguns desprezam as pessoas, outros se colocam sempre abaixo de todos e outros sabem que a solidariedade lhes dá sentido à vida.

Muitas vezes aquele que se deixa usar o faz por não saber ser diferente e o terapeuta precisará respeitar os limites do paciente para a mudança. Afinal um jeito de ser pode ser o único meio de sobrevivência e aceitação do destino, coloca a autora.

Certas pessoas têm motivos notórios para sofrer, outras nem tanto. Parecem privilegiadas, mas estão repletas de sentimentos de desencanto que empobrecem a existência. Deixaram de fazer coisas simples que traziam vida ao existir e não cabe ao terapeuta equacionar mudanças drásticas que soam como cobranças.

Alguns pacientes com atitudes de desprezo pelos outros e condutas malévolas por vezes fomentam raiva no terapeuta, fazem rever, questionar método e técnica.

Numa interpretação de sonhos é possível ater-se às palavras mencionadas pelo paciente para montar um significado ao onírico trazido. O que aparece ali costuma está intimamente relacionado com a vivência da pessoa.

Uma dedicação real ao que é falado pelo paciente traz a confiança necessária para ele falar de coisas que não falaria, antevendo uma repreensão. Então o terapeuta aproveita a informação para trabalhar aspectos como o momento em que a vida começou a parecer um deserto. O fato que parecia enterrado fez com que a paciente fosse lentamente murchando e toda sua dor vinha à tona agora.

Por vezes o terapeuta ouve sem ter muito o quê falar, até que surjam pontos sem lógica e injustos para conseguir abordar alguns assuntos pertinentes. Justiça e lógica são bases para novos conceitos sobre o humano revelando a alternâncias de situações e personagens bons e ruins, como uma oportunidade que resgata o entusiasmo e dá nova dimensão aos relacionamentos. O tempo passa, mas também se abre e os sonhos se vão, mas também podem retornar com nova roupagem.

Durante esse processo fatos emergem na vida do paciente e também do terapeuta que pode sentir maior ou menor vontade de retomar a própria terapia para também se ouvir falando das implicações que ouvir o outro provocam em sua existência. Ter apoio para decidir o momento de abrir de mão de uma terapia que parece não fluir. Abarcar a reciprocidade ou não dos sentimentos que podem acontecer durante o encontro e do poder de uma terapia quando os dois estão harmonizados.

Os dois elementos da terapia, paciente e psicoterapeuta, combinados e ligados por um sentimento chamado cuidado, amor ou solicitude devem se empenhar em responder uma solicitação sobre o sofrimento do paciente. Se o sentimento entre ambos se torna erótico, o que não se deve deixar acontecer, nada impede que o vivam com toda a intensidade. Desde que seja feito fora do contexto e vínculo terapêutico que vão finalizar uma sequência de atendimentos.

A autora fala dos sentimentos trazidos pelo paciente lembrando uma relação delicada que trata de uma existência pedindo ajuda para um novo começo. Histórias tristes vão emergir e, na impossibilidade de serem apagadas, são revistas e resignificadas para abrir espaço para novos sentimentos como o perdão. Algumas situações inusitadas virão ao encontro do paciente, mas também o caminho que ele segue o levará a outros rumos sem garantia de imutabilidade. Ao contrário, tudo pode com um sopro se desfazer e voltar à instabilidade e, isso sim é humano.

Sentimentos de culpa e perdão são vizinhos e os assuntos envelhecidos muitas vezes serão mais facilmente comentados após terem sido amadurecidos em terapia. A Daseinanalyse vai trabalhar constantemente com essa esperança e com a falta que nunca poderá ser preenchida para que o significado das coisas se desdobre. Tornar-se um espaço para perguntas que o terapeuta amplia para buscar a compreensão do ser-no-mundo-com-os-outros. 

Resenha do livro: SAPIENZA, B. T. (2008). Conversa sobre Terapia. Educ. São Paulo.

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Isabela: designer, estudou psicologia clínica, especialista em tecidos automotivos, trabalha inclusive com análise de tendências de design e comportamento humano. Está morando fora do país, por isso tem coisas interessantes para compartilhar.

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