Voltando ao livro do Dr. Scott no qual ele combina experiências de consultório, de amigos e observações sociais sobre a convivência com um passivo-agressivo. Vou logo avisando que o primeiro capítulo é longo. Entretanto muito necessário construção da base para o entendimento do problema.
Capítulo 1 - Anatomia da agressividade-passiva
Não importa profissão ou a classe social, eles nunca falam exatamente o que querem. As pacientes do Dr. Scott descrevem o passivo-agressivo como "ele é um cara difícil"', "tudo o que decidimos fazer se transforma em uma negociação entre dois países em guerra, nada a ver com o relacionamento de um casal que se importa um com o outro".
Você se sente atraída por ele provavelmente porque ele é brilhante e persuasivo ao se "vender". Elusivo, irresistível, charmoso, misterioso, ele atrai seu interesse também por demonstrar carência. Os problemas começam quando ele expressa hostilidade sob um manto de inocência, generosidade ou passividade. Por isso ele te confunde e te deixa com raiva. Isso É a passividade-agressiva!
Por dentro da passividade-agressiva
Parece paradoxal, pois a pessoa alterna entre os dois comportamentos, certo? Entretanto, não é ser agressivo hoje e passivo amanhã. Não! É ser simultaneamente passivo & agressivo, ao mesmo tempo.
Por isso esta é uma criatura fundamentalmente complexa, contraditória, ambivalente e difícil de ser lida num primeiro momento. Você fica recebendo mensagens dúbias porque ele quer que você adivinhe o que ele quer, mas enquanto isso ele te faz de boba.
Aqui ele coloca alguns exemplos para guiar você:
- Ele fala, "Por que você está sempre grudada em mim?", mas ele quer dizer "Morro de medo de você me deixar."
- O chefe comenta "Você é uma excelente funcionária, por isso vai fazer um treinamento na matriz." Nunca mais você ouve falar da tal viagem. Ele na verdade pensou, "Eu não acho que ela seja capaz de fazer esse curso fora do país."
- "Eu acho que posso buscar isso para você, talvez amanhã..." enquanto pensa "Por que ela continua me pedindo para fazer essas coisas?"
- Uma amiga falaria, "Eu vou te dar um presente bem bonito, tipo aquelas roupas brilhantes que você usa para ir trabalhar na segunda-feira." Enquanto pensa, "Quem sabe assim você percebe seu péssimo gosto para roupas."
- O marido sussurra, "Eu não estou muito a fim hoje", mas quer dizer "Eu quero ser seduzido."
O fator comum em todas as citações é a diplomacia. Uma pessoa normal diria, "Me desculpe, hoje eu não posso." Enquanto o passivo-agressivo vai continuar mentindo até ser forçado a falar a verdade. Por isso você sente que está sempre discutindo as mesmas coisas e se pergunta por que continuo correndo atrás do osso que ele joga na minha direção?
Um passivo-agressivo pode pensar que não fez nada de errado com você. Aliás, ele espera ser recompensado por te tratar tão bem e ainda te ajudar, enquanto você o chama de ingrato. Ou seja, não interessa quem ele seja, esse homem vai sempre te deixar insegura, confusa e se perguntando por que você sente numa constante encruzilhada com ele? Além de passar dias pensando como poderia melhorar sua vida com ele.
Analisando a passividade
Como já deu para perceber, os 2 componentes básicos do passivo-agressivo, o modus operandi são a passividade e a agressividade. A questão é como a falta de ação de alguém pode irritar tanto? Veja bem, um comportamento passivo é algo amplo e vai desde o fraco, perdedor até o tipo conformista que não faz nada para melhorar, nem tem uma opinião firme sobre coisa alguma porque odeia a responsabilidade. Tanto o passivo quando o passivo-agressivo têm aversão à assertividade porque ela pode ser desafiadora, discordante e te deixar sem a ajuda dos outros. (Leia esse outro texto para ter mais insights sobre a assertividade e a passividade-agressiva.)
O autor conta o caso de Larry, um engenheiro civil que trabalha com construção de imóveis. Ele nunca se lembra de levar a carteira quando sai para jantar. Não que ele seja pobre, mas ele quer que os outros paguem a conta para ele. Larry precisa ser alimentado por um adulto poderoso e isso o torna passivo. O que ele faz para conseguir que os outros paguem por sua refeição e o que o torna passivo-agressivo.
O passivo-agressivo tenta ser passivo,
mas ele não é assim de jeito nenhum!
A personalidade passiva não te deixa indignada, ao contrário do passivo-agressivo que mostra sua hostilidade o tempo todo.
Analisando a agressão
A agressividade é para a psicologia um impulso básico do ser humano que quando mal gerenciado se transforma em raiva, tirania, antipatia, dominância e ódio. Os comportamentos de uma personalidade agressiva nos fascina porque poderiam ser usados para construir coisas boas, mas somente se estivessem alinhados nessa direção. (Leia esse outro texto para saber mais sobre a agressividade.)
O passivo-agressivo é tão violento quanto o agressivo.
Ao contrário do que acreditava Freud, o autor afirma que liberar a raiva não a diminui. Pelo contrário, para Scott, extravasar a raiva te deixa com mais vontade de ser agressivo. O gerenciamento da cólera consiste em transformar sua frustração na conquista de algo produtivo e melhor. Um exemplo simples é o aluno que depois de tirar uma nota baixa, passa a ser o melhor aluno da classe. Outro exemplo é o casal que não pode ter filhos, mas decide adotar uma criança.
Como lidar com a raiva? Ele cita o livro da psicóloga Carol Tavris*. Verifique as decisões contidas no episódio de raiva e use alternadamente essas táticas: 1. Saia de perto da situação e vá fazer outra coisa, por exemplo um trabalho manual artístico, limpar alguma coisa, ou se recompense por não passar dos limites. 2. Fale sobre seus sentimentos enquanto a situação ocorre e porque se sente assim. Ou seja, faça qualquer coisa para manter a sua raiva sob seu controle.
Passividade-agressiva adequada
O comportamento é considerado uma resposta adaptativa justificada em casos onde a pessoa é objetivamente desprovida de poder e não possui outros meios de resistência. Diplomacia e sutileza demonstram uma tenacidade não violenta. Um exemplo extremo é o do estudante chinês na frente dos tanques de guerra numa série de protestos na China em 1989.
|
Protesto na Praça da Paz Celestial também conhecido como massacre de 4 de junho de 1989. |
Existe uma clara distinção entre passividade-agressiva saudável e doentia que pode ser comparada com a diferença entre tato e esquiva, jeito e indelicadeza, desobediência civil e bloqueio direto. Uma pessoa saudável usa a passividade-agressiva para conquistar objetivos, ao invés de nublar a situação e não permitir que se chegue a lugar algum. A questão não é se a pessoa usa ou não essa ferramenta, mas se usa inadequada ou excessivamente para causar problemas.
Identificando o homem passivo agressivo
É um homem como qualquer outro, capaz de fazer planos, trabalhar, ter um romance e ser presidente de um país. Richard Nixon é um exemplo, considerado brilhante e competitivo, foi o único presidente americano a renunciar o cargo.
Ele é raramente um "cara mau", mas também não é genuinamente um "cara de bem". Em vez disso, ele é aquele homem que vai te deixar frustrada. Um homem que sofre uma interna e profunda dissimulação destinada a afundar vocês dois. Enquanto isso perde seu tempo fazendo coisas para manter o relacionamento com ele.
Isso nos dá uma perspectiva interessante sobre o passivo-agressivo precisar constantemente de um adversário -você- para ser o alvo da hostilidade. Ele expressa antipatia através do relacionamento por isso a passividade-agressiva é, muitas vezes tratada como um problema do relacionamento. Entretanto, é mais provável que seja problema de uma pessoa só, ele.
Vic é um cara que às vezes "esquece" um encontro com Wendy, mas no outro dia aparece na casa dela sem avisar. Ele quer que ela se sinta feliz com o aparecimento dele, mas fica satisfeito que a pegou de surpresa. Ele é mais carinhoso quando percebe que ela reconhece ter sido injusta com ele. Então, no dia seguinte, ele age como se tivessem acabado de se conhecer. Quando Wendy fala que está magoada ele responde: "não tenho culpa se você se ofende à toa". Enfim, ela não consegue se aproximar, nem se afastar definitivamente dele.
Pontos importantes da situação descrita. 1. Você entende que Wendy está frustrada, mas Vic demonstra pouca consideração por ela. 2. Ela acredita nele, mas duvida de si mesma. 3. Ela passa mais tempo tentando entender o que se passa na cabeça dele do que ele. 4. Wendy está fascinada e frustrada ao mesmo tempo. 5. Vic se esconde num véu de boas intenções e inocência.
Passivos-agressivos causam confusão e dor em quem se relaciona com eles, mas você não precisa se sentir uma fracassada por não conseguir se relacionar com ele. Isso não é problema seu e você não é a única a se sentir assim. Identificar o passivo-agressivo é o primeiro passo para lidar efetivamente com ele.
|
Quando seu colega pensa que ele é sempre positivo e solidário,
mas destribui bilhetes passivo-agressivos sobre você. |
Identificando o perfil do passivo-agressivo
Nem tão bom quanto pretende ser, nem tão mau quanto ele pensa que é. O passivo-agressivo tenta ser doce e compreensível, mas é egoísta, invejoso, raivoso e mesquinho. Quanto mais você entender sobre ele, menos será vitimizada ou ameaçada por ele. Lembre-se que entender o problema não é aceitá-lo. Então como reconciliar esses opostos?
Pode ser que ele não tenha todos traços do comportamento, mas ele terá vários deles. Eles também não são a personalidade como um todo, além de ter outros traços não citados aqui.
- Medo da dependência. Ele é um tipo que duvida da própria autonomia e tem medo de ficar sozinho. Ele reluta para não depender dos outros e geralmente faz isso controlando você.
- Medo da intimidade. Relutante em mostrar suas frágeis emoções, ele nega os próprios sentimentos. Constantemente cria conflitos para se distanciar de você.
- Medo da competição. Não consegue competir com outros homens no trabalho nem no amor. Usa a autossabotagem para justificar o fracasso, ou tirania para se mostrar perfeito e eliminar a competição. Dica, poucos passivo-agressivos são bons esportistas.
- Bloqueador. Basta falar que você quer algo para que o passivo-agressivo faça e-xa-ta-men-te o contrário. Ele vai bloquear qualquer progresso que veja em relação a você atingir sua meta.
- Fomentador do caos. Ele prefere deixar o trabalho incompleto, pegar mais responsabilidades do que dá conta até não atingir mais nenhum objetivo na vida. Ofereça sugestões para resolver esses problemas e vai ver o ressentimento dele aumentar ainda mais.
- Sentir-se vítima. O passivo-agressivo protesta das injustiças ao invés de assumir a responsabilidade por seus equívocos. É uma eterna vítima da sua excessiva tirania.
- Arruma desculpas e mente. Fabrica desculpas por não chegar no horário, finalizar projetos, ir aos encontros e cumprir qualquer tipo de promessas que tenha feito. É um verdadeiro gênio ao ignorar a realidade bem como um virtuoso deformador da realidade.
- Procrastinador. Os horários funcionam de um jeito diferente, pois os prazos não existem para ele. Consome a paciência de qualquer um perdendo oportunidades e desperdiçando o tempo.
- Esquecido e sempre atrasado. Esse é o mais irritante dos defeitos dos passivos-agressivos, sua inabilidade de chegar no horário em certos eventos. Manter você o esperando expõe as regras do relacionamento (lembre-se bem disso), além de evitar uma obrigação.
- Ambiguidade. Mensagens dúbias é a cereja do bolo e nenhuma resposta será específica. Ele é o master do "não sei", "talvez eu vá", "a gente se vê no fim de semana"... e você nunca vai saber se o encontro vai acontecer.
- Mau humorado. Vivendo sob um constante sentimento de não cumprir promessas e obrigações, ele constantemente se vê acuado, de cara amarrada e distante.
Com essas descrições, o autor espera que você reconheça o passivo-agressivo pelo que ele é, ao invés do que espera que ele seja.
O livro: Living with the Passive-Aggressive man; Coping with the Personality Syndrome of Hidden Aggression - from the Bedroom to the Boardroom, de Scott Wetzler, Ph.D. Em tradução livre Vivendo com o homem passivo-agressivo; Lidando com a Síndrome de Personalidade da Agressão Encoberta - da Cama à Sala de Reuniões. Autor: Scott Wetzler, Phd., New York, 1992.
Carol Tavris, Anger: The Misunderstood Emotion, 1989.