abril 07, 2017

Quaresma e Páscoa


Por Elizabeth Santos

Quaresma significava os quarenta dias mais chatos do ano para as crianças.

Parecia que as únicas pessoas que ficavam felizes na quaresma eram as mães dos que tomavam bebidas alcóolicas. Nesse período, filhos adultos delas faziam o sacrifício de não beber.

Mães amam seus filhos, mas não amam bebidas que os fazem ficar bêbados, fazendo coisas erradas, falando besteiras, ou saindo pelo mundo afora sem rumo.

Então, eu com meus nove anos de vida, sabia que quaresma não era temporada de brigar com os coleguinhas, xingar nome feio, cantar música de carnaval, dançar e mais uma porção de coisas que crianças estavam sempre fazendo.

O pior era que quaresma demorava muito a passar.

Ouvi minha tia dizendo que foi pedida em casamento e ia apressar a data para não coincidir com os quarenta dias de penitência cristã. O templo costuma ficar sem seus enfeites, flores coloridas e luz, muita luz. Eu também achava, que não combinava com a alegria da união matrimonial essa coisa de pano roxo encobrindo tudo.

Para culminar chegava (e chega) primeiro o domingo de Ramos iniciando a Semana Santa, para vir depois o tão aguardado domingo da Páscoa.

Para cada um dos sete dias havia de se fazer uma penitência. Só os adultos, mas criança que quisesse poderia experimentar. Em algumas localidades existe até hoje: o dia de não se comer carne; o dia de ficarem todos calados; o dia do jejum completo e até o dia de não trabalhar de jeito nenhum! Ou melhor, não trabalhar para se ganhar dinheiro.

No meio rural, existe um serviço inadiável: tirar leite das vacas. Então o dono do rebanho distribuía o leite para quem fosse buscar. Muitas vezes acompanhei meus primos e tios, levando vasilha para trazer o leite de fazer o Arroz Doce, que nesse dia era sagrado. Uma delícia que só comíamos depois de muito descanso da longa caminhada. Essa era uma tarefa divertida, já que ia muita gente caminhando pelas trilhas, passando por baixo de arame farpado, trocando ideias, alertando sobre touro bravo e outros perigos da roça.

Enfim o tão aguardado domingo da Páscoa chegava, cedinho e barulhento de sinos e Aleluias. O dia era de vestir a melhor roupa, ver procissão, ir à igreja, cumprimentar a todos lhes desejando feliz Páscoa!

O almoço em família era especial e a sobremesa... de chocolate, é claro, mesmo que não fosse em forma de um ovo.

Certa vez até fui verificar nos ninhos, se os ovos estavam diferentes, mas não.

Nem coloridos, nem doces ou maiores, conforme os desenhos dos livros. Apenas ovos, e assim mesmo vovó os achavam ótimos. Afinal, com tanta omelete que comíamos substituindo carne nos pratos quaresmeiros, agora poderia gastá-los à vontade nos doces maravilhosos que só ela sabia fazer!


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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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