novembro 15, 2013

As aventuras do Landau em Beagá

O casal ao lado do carrão, literalmente.

Num feirão de carros seminovos na Avenida Antônio Carlos passeava o casal. Ele, fazendo pesquisa de preço para adquirir o que estaria precisando. Ela apenas de companhia.
Os olhos dela pararam sobre um fusca. O coração dele bateu forte diante de um LTD Landau.
Ficaram uns minutos diante do carrão, andaram mais um pouco, voltaram lá.
Ela:
― Você vai comprá-lo?
Ele:
― Não, estou só a admirar.
Puseram-se novamente a dar uma volta, viram doginho e corcel, para “estacionarem” novamente na frente do carrão azul. O proprietário estava por perto, mostrou cada detalhe ressaltando o fato daquele automóvel, mesmo tendo sido fabricado há pelo menos duas décadas, era todo original. A lataria sem um arranhão brilhava diante do olhar também brilhante e azul do admirador.
Ele exclamou:
― É antigo.
O vendedor explicou que não. Para ser considerado antigo teria que ter no mínimo cinquenta anos.
Por estranho que possa parecer, quem iniciou a negociação foi a mulher, que nem dirigir dirigia, ou talvez por isso mesmo:
― Quanto o senhor tá pedindo?
― Seis.
Era três vezes menos dinheiro do que qualquer outro automóvel do feirão de usados daquele dia!
Conhecendo bem o marido, incentivou:
― Compra!
E ele respondeu e ponderou que não, por ser caro. Ela sem entender este(s) caro(s), escutou a explicação: o combustível, a manutenção, o estacionamento sim eram caros. O preço do veículo não. O dinheiro estava no bolso.
Agora ela passa a fazer o papel de vendedora:
― Experimente dirigi-lo. Leia o manual. Pergunte sobre suas dúvidas. Traga um mecânico da sua confiança.
E saíram dali dentro daquela banheira, transatlântico ou outro cognome que pudesse ter, automóvel daquele porte em Belo Horizonte.
Chegando ao prédio onde moravam, a primeira dificuldade foi fazer caber na vaga da garagem. Sair? Só de ré. Manobrando, já na rua, atravancava o trânsito. Descendo a Avenida Afonso Pena, o carrão lotado disparou, a mulher pedia para ir mais devagar e o marido:
A esposa no banco da frente, ou seria no sofá da frente?
― O freio não quer pegar!
Parando na estreita rua do dentista, com aquela largura, só passavam outros carros se fosse um a um. Se estragava alguma peça, parado ficava onde estivesse, obstruindo a via completamente. Fora tudo isso, ainda ouviam piadas do tipo:
― Afinal de contas, o casal é dono de poço de petróleo ou mascateia?
Até que um dia, a filharada no banco de trás, ultrapassados pelo caminhão de lixo, o gari ali pendurado grita e dá uma gostosa gargalhada:
― “Saúde é o que interessa o resto não tem pressa!”
Arriscaram até uma viagem para o litoral e no trecho tortuoso da serra ouviram outro motorista dizer-lhes que, olhando pelo retrovisor ao fazer uma curva, não se enxergava a rabeira do carro. Era demais!
Tanta maciez, conforto, luxo e espaço interno tinham a mesma proporção dos inconvenientes de um carro fora dos padrões dos anos noventa.
Quando o locatário da vaga do estacionamento permanente do carro queria aumentar o aluguel devido à mancha de óleo no chão revestido de pedra São Tomé, o casal iniciou outro tipo de assunto:
― Vamos vender este carro e comprar outro menor – dizia a esposa ao marido.
― Não antes de ingressar no Clube do Carro Antigo e rodar pelas ruas de Caetés no desfile anual – respondia o marido à esposa.
Nenhum deles lembra-se mais como convenceram o presidente do tal clube a aceitar a inscrição do Landau azul 1971 a figurar ao lado do Ford Bigode 1929, do Chevrolet 40, do Cadilac 49, dentre outros, mas ele aceitou.
A festa foi uma beleza, com bandas tocando na praça, os carros muito bem cuidados rodando devagar um atrás do outro, a multidão acenando com bandeirinhas, a exposição na rua principal da histórica cidade e o almoço oferecido na Associação de Esportes. Todos os participantes do evento estavam felizes e realizados.
Ali mesmo negociaram o Doge LTD Landau, recebendo como parte do pagamento um Karmann Ghia vermelho ano 1969.
Recomeçou a novela, desta feita com problemas um pouco diferentes. A lataria avariada exigia conhecimentos e habilidades de um bom funileiro. Este, por sua vez desconfiado que pós conserto o veículo teria seu valor acrescido de dois zeros pelo menos, exigiu uma cláusula no contrato de seu serviço de restaurador: ter preferência de aquisição se o carro esportivo fosse colocado à venda nos próximos anos!
E a paixão por carro antigo prosseguiu, sem no entanto passar pelas gerações. Os filhos, embora colecionando miniaturas de automóveis “retrô”, não dirigiam nenhum. Os netos só distinguiam modelos de carros nos vídeos games de corridas e manobras radicais, e ainda se alguém lhes indagasse se queriam o carro do vovô respondiam:
― Não! Queremos mesmo um Hot Wheels de verdade!

Acho que você vai gostar de ler outros Contos da Beth, aqui.
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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