junho 06, 2014

Sete Ferramentas


Da pessoa “conserta tudo” dizia-se:

_ Este é das sete ferramentas, quatorze necessidades. Em tempos de poucos recursos era comum encontrar pessoas que restauravam, recuperavam, renovavam, reconstituíam, ou simplesmente remendavam todo e qualquer objeto que fosse preciso. Poderia então funcionar por mais um tempo, ou... não funcionar de jeito algum, mas pelo menos adquiria-se uma experiência no assunto. Enquanto adultos desmontavam o mecanismo detonado, os menores observavam. Assim muitos aprenderam a achar o erro e consertá-lo; alguns fizeram desses conhecimentos seus ganha-pães.

O rapazinho observava o pai e, sem estorvá-lo ainda o ajudava:

_ Pegue o alicate; o parafuso; a carapeta; a chave de boca; agora a inglesa...

_ Olhe se acendeu; se saiu do lugar; se pingou...

_ Ponha aqui seu dedo; puxe o fio; pise com força; segure a escada...

E foi assim que Daniel começou e exerceu a profissão de bombeiro hidráulico e chegou à aposentadoria considerado o melhor instalador e consertador de rede hidráulica da cidade. Se a escola profissional precisasse um orientador do estágio prático para seus alunos ele poderia desempenhar bem a função mesmo sem diploma. Daniel gostava de ler as instruções das embalagens, e assim se atualizava. Conhecia as peças que utilizava nos reparos, as características de cada marca comercializada na praça, a durabilidade e eficiência de cada modelo. Às vezes errava feio, mas ia verificar o que poderia ter acontecido e comentava após minucioso exame da peça fajuta:

_ Estão fabricando cada vez com mais economia.  – e descascando com a unha do polegar os dois pedaços quebrados do material inutilizado, mostrava ao cliente - Veja que a espessura agora é menor, a rosca é maior, a sola é sintética, a tinta descasca...

E observando a preocupação do cliente com o dinheiro que tinha descido no ralo com a água perdida... Daniel sentava-se no chão cruzando as pernas à moda indígena, abria sua caixa de ferramentas, pegava uma trouxinha cheia de sucatas e punha-se a consertar o defeito comentando baixinho:

_ Como é que uma coisa dessas foi estourar sendo que faz parte do mecanismo interno e ainda fica dentro d’água? Aprendi com meu pai a fazer um reparo de válvula da descarga marca Genea que poderia durar mais meio século. Foi há muito tempo. O torneiro da oficina de caminhão fazia os enroscamentos, o sapateiro reservava o pedaço inteiro do solado mais macio que era o da barriga do boi, e com um molde confeccionado paciente e artesanalmente por nós, molhando o couro, encaixando uma coisa noutra, ‘tava pronto o reparo. Vou dar um jeito nesse aqui também.

Dali a pouco, tudo testado e em perfeito funcionamento recebia uns trocados pelo serviço e se ia com as SETE FERRAMENTAS, quatorze gambiarras, para as vinte e uma NECESSIDADES da clientela que aumentava a cada dia.


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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".   
     


Um comentário:

  1. Anônimo7/6/14 07:56

    Pois é... estão ficando raros os consertadores. Muitas vezes trocar o aparelho fica mais rápido, barato e seguro. Elisabeth

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