Da pessoa “conserta tudo” dizia-se:
_ Este é das sete ferramentas,
quatorze necessidades. Em tempos de poucos recursos era comum encontrar pessoas
que restauravam, recuperavam, renovavam, reconstituíam, ou simplesmente
remendavam todo e qualquer objeto que fosse preciso. Poderia então funcionar
por mais um tempo, ou... não funcionar de jeito algum, mas pelo menos
adquiria-se uma experiência no assunto. Enquanto adultos desmontavam o
mecanismo detonado, os menores observavam. Assim muitos aprenderam a achar o
erro e consertá-lo; alguns fizeram desses conhecimentos seus ganha-pães.
O rapazinho observava o pai e, sem
estorvá-lo ainda o ajudava:
_ Pegue o alicate; o parafuso; a
carapeta; a chave de boca; agora a inglesa...
_ Olhe se acendeu; se saiu do lugar;
se pingou...
_ Ponha aqui seu dedo; puxe o fio;
pise com força; segure a escada...
E foi assim que Daniel começou e
exerceu a profissão de bombeiro hidráulico e chegou à aposentadoria considerado
o melhor instalador e consertador de rede hidráulica da cidade. Se a escola
profissional precisasse um orientador do estágio prático para seus alunos ele
poderia desempenhar bem a função mesmo sem diploma. Daniel gostava de ler as
instruções das embalagens, e assim se atualizava. Conhecia as peças que
utilizava nos reparos, as características de cada marca comercializada na
praça, a durabilidade e eficiência de cada modelo. Às vezes errava feio, mas ia
verificar o que poderia ter acontecido e comentava após minucioso exame da peça
fajuta:
_ Estão fabricando cada vez com mais
economia. – e descascando com a unha do
polegar os dois pedaços quebrados do material inutilizado, mostrava ao cliente -
Veja que a espessura agora é menor, a rosca é maior, a sola é sintética, a
tinta descasca...
E observando a preocupação do cliente
com o dinheiro que tinha descido no ralo com a água perdida... Daniel
sentava-se no chão cruzando as pernas à moda indígena, abria sua caixa de
ferramentas, pegava uma trouxinha cheia de sucatas e punha-se a consertar o
defeito comentando baixinho:
_ Como é que uma coisa dessas foi
estourar sendo que faz parte do mecanismo interno e ainda fica dentro d’água?
Aprendi com meu pai a fazer um reparo de válvula da descarga marca Genea que poderia durar mais meio
século. Foi há muito tempo. O torneiro da oficina de caminhão fazia os enroscamentos,
o sapateiro reservava o pedaço inteiro do solado mais macio que era o da
barriga do boi, e com um molde confeccionado paciente e artesanalmente por nós,
molhando o couro, encaixando uma coisa noutra, ‘tava pronto o reparo. Vou dar
um jeito nesse aqui também.
Dali a pouco, tudo testado e em
perfeito funcionamento recebia uns trocados pelo serviço e se ia com as SETE
FERRAMENTAS, quatorze gambiarras,
para as vinte e uma NECESSIDADES da clientela que aumentava a cada dia.
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
Pois é... estão ficando raros os consertadores. Muitas vezes trocar o aparelho fica mais rápido, barato e seguro. Elisabeth
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