junho 27, 2014

Peixe

Pintura naif da Beth

Na luta pela sobrevivência o peixe escapa de muitos predadores. Só não escapando do anzol que prende a isca.

A primeira vez que eu ouvi do meu chefe: - “Não morda a isca”, fiquei matutando o que ele estava querendo dizer com isto. O chefe, percebendo que eu fiquei a pensar traduziu para “não baixe a guarda”.

Daí entendi direitinho e mesmo sem ser peixe ou do signo de peixes, e muito menos soldado, já entrei no ambiente de serviço cauteloso. Imagine você, que eu cauteloso desde sempre, no que me transformei. Tudo que alguém me perguntava do meu trabalho, antes de responder eu indagava desconfiado:

_Pra que você quer saber disso? É da sua conta?

Até que depois de um mês, ouvindo censuras ou risadas cheguei ao meio termo. Nem tanto ao mar, nem tanto ao sol. Tornei-me um vendedor sempre alerta, educado e prestativo com todos, sem ficar contando pra todo mundo dali: – qual seria a próxima estratégia de marketing, próximo passo das vendas, ou salto, e mergulho, no caso do peixe. 

Entretanto chegou meu dia de peixe... e se não mordi a isca, fui pego na rede do pescador. E se nada disto foi, deve ter sido um grande tubarão a engolir-me. Perdi meu cargo na empresa e fiquei a ver navios ou estoques de sapatos na sobreloja.

_Desce um mocassim 39 marrom, outro azul e o preto se ainda tiver algum nessa numeração.

E lá ia eu, meio encurvado, pois o pé direito do cômodo era baixo para minha estatura, tateando no claro/escuro daquelas pilhas enormes de caixas à caça de um calçado que peixe nem usava. No início do ano seguinte, desmotivado, estafado, sem as comissões de venda para saldar os encargos que qualquer cidadão tem em janeiro, comecei a misturar cores nas prateleiras, modelos, e até numeração de pés de sapatos na mesma caixa. As reclamações foram muitas.

Foi quando o médico do trabalho achou por bem conceder-me uma licença, e fui pescar.


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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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