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dezembro 25, 2020
Passagem de Ano
dezembro 18, 2020
Vendo
Vendo o meu quintal!
Você aí que está a ler esse anúncio,
preste bem atenção: o preço é módico para que o pagamento seja a vista. A vista
é linda de cada um dos quatro lados que você olhe estando no centro do
retângulo equilátero. De duas laterais você poderá ver campos, morros, algumas
ruas, e casas o suficiente. Da terceira lateral, percebe-se a existência dos
quintais vizinhos. E na quarta erguendo o olhar, você pretenso comprador, verá
a varanda dos fundos da casa onde resido há vinte anos. No jardim de entrada
existe passagem da rua para o quintal.
Sendo um terreno em declive, e não sendo
temporada de estiagem, a enxurrada desce sem empecilho e por um vão deixado no
muro para isto, se espalha no pasto de cavalos de sela, e bois de puxar carro.
Todos bons de serviço, não perdem tempo com namoricos!
O
quintal em questão, motivo do anúncio, tem a seguinte medida que eu mesma
conferi: setenta por trinta e cinco passadas largas. Tem as seguintes árvores:
meu limoeiro e meu pé de jacarandá versejados e cantados; encantado pé de uvaias;
muitas cactáceas de belas flores, e saborosas pitayas; e duas preciosas
nogueiras a produzir pecans.
Aqui não falta: banana, goiaba, abacate e
laranja. Cada qual em sua época, tem-se frutas o ano todo. Com elas vem: saís e
sanhaços de cores variadas; as patriotas maritacas vestidas de verde, e uma
seleção de canários amarelos. Sabiá laranjeira, o senhor João de barro, rolinhas
e pardais formam a corte de sua majestade o sabiá. Gente, a melodia do sabiá,
se junta ao chamado do bem-te-vi, ao trinado de tantos outros pássaros, que
parece mesmo uma orquestra. Revezam-se do nascer ao pôr do sol trazendo alegria
a todos.
Na hora da refeição reforçadora da
passarada tem disputa perto do cocho de alpiste. Observo que os maiorzinhos
ameaçam os pequenos. Não lhes dão sossego até que chegue outro que os enfrente.
Quando o gato sem dono passeia em cima do
muro, sabendo muito bem o que quer é o momento certo de todos baterem asas em
fuga, numa revoada só.
Tucanos vem visitar-me para bicar e derrubar
abacates ou comer a parte verde das nozes. São lindos em suas cores e aquele
bicão, que a gente não sabe como consegue equilibrar no voo.
Também tenho andejos diurnos que nem
meu lagarto teiú, e os noturnos parentes próximos da linhagem do gambá. Não me
amolam, principalmente porque não tenho criadouro de galináceos.
Há um bom mostruário de fauna e flora
a ser apreciado nesse quintal, e sobra espaço para caramanchão, churrasqueira,
mesa e bancos fixos no chão de terra e gramíneas. Numa das árvores poderá ser
amarrado um balanço feito de pneu. Em outras, é possível colocar a “rede de
malha branquinha e dois a sonhar dentro dela”.
O perfume de rosas se espalha,
juntamente com as borboletas.
A terra é fértil, e a dezoito metros
de profundidade sei da existência de água potável.
Finalizando o anúncio afirmo ter o
IPTU e toda documentação em dia para a venda de porteira fechada.
Tudo certo, para receber o(a)
comprador(a)!
***
A
tempo: Relendo o anúncio de venda...RESOLVI NÃO VENDER MEU QUINTAL, POR NENHUMA
OFERTA POR MAIS TENTADORA QUE SEJA!
Hibiscus |
É teatro II
A gente cá na Terra pensando em bomba
atômica depois de tantos atos terroristas, e a chegada de um inimigo invisível
trouxe espanto generalizado. Como pôde acontecer? Não temos espiões eficientes
que poderiam ter trazido a notícia de uma ameaça biológica de humano para
humano? Nossos avanços científicos, eletrônicos, de chips a inteligência
artificial não deram conta de avisar-nos com antecedência sobre perigos que
poderiam vir por costumes simples já arraigados na maioria da civilização e
ora abandonados?
O que aconteceu mesmo? As respostas
são diferentes umas das outras e vêm de todas as camadas sociais, crenças,
costumes e regimes políticos do mundo.
Fico com esta opção:
- Já havia acontecido antes, mas ninguém pensou
numa prevenção através de uma espionagem bem paga. Tipo... sei que em certas
partes do mundo estão acontecendo mortes horríveis por sufocamento causado
ninguém sabe porque, ou por quem. Vá lá investigar e volte para nos contar.
Aqui começa a inspiração para uma
peça teatral a partir de poucas linhas bem escritas.
.........................................................................................................
Entra em cena, num palco iluminado,
vestido de dourado, o homem bola rolando. Bate na parede, desenrola e espreguiça.
Acabava de acordar para a realidade:
- Certo organismo vivo minúsculo mantem todos
os humanos presos em suas casas por tempo indeterminado e eu, o homem bola
estava sem o que fazer. Cheguei aqui por puro acaso e tenho que fazer meu
número pois há uma distinta plateia, embora de seres esqueléticos, parados e
mudos. Parados, mas parecendo esperar algo novo.
Eis que surge no mesmo palco um
personagem esquisito falando sozinho. Depois outro, e outro, e mais outro. As
conversas deles não fazem sentido por não se encaixarem em idiomas reconhecidos
pelos responsáveis pela peça teatral.
- Esta peça não está agradando...
- E, no entanto, nenhum dos esqueletos
da plateia se manifesta...
- Claro que não seu Idiota. Não
percebe que são de papelão. Todo mundo tá nos assistindo pelo celular. Ninguém
pode sair de sua casa em tempos nefastos como os que estamos vivendo Zé Mingué!
_ Hei colega! Muita calma nesta hora.
Não queiramos nós, pobres mortais, atrapalhar ainda mais a problemática.
Voltemos ao trabalho.
_ Não acho sermos suficientes para a “solucionática”.
Quero ajuda da Gisele, a espiã nua que abalou Paris; preciso urgente do sr.
Zero Zero Sete aqui, e agora. Tragam também todos os bons detetives desde o que
diz: - Elementar meu caro Watson, até o Bolinha de Eugen, com sua lupa e a
frase finalizadora de buscas resolvidas... ”O Aranha ataca outra vez”.
Começa a busca dos sinais: onde,
como, quando e o porquê do CORONA passar de animais selvagens para humanos.
Essa foi fácil:- Na fome, estes engoliam aqueles!
No palco chegou um dragão a ser
morto, e devorado por aldeões.
Cena tenebrosa!
Em seguida Gisele, usando seus
conhecidos métodos da época em que valiam de alguma coisa, descobriu um grupo
de biólogos e cientistas NERDS, que por falta de serviço no ramo foram atuar
num seriado televisivo. Ela, Gisele, conseguiu o retorno deles aos
laboratórios, buscando a biografia do novo vírus, tipo: onde nasceu, por onde
passou, porque se hospedou com humanos. Descobriram tudo que era preciso, mas
no exato momento de testar antídoto para liberar produção em massa... o
material acabou.
Entra Zero Zero Sete. Foi atrás de
quem poderia auxiliar. Precisou do reforço de seus colegas de todo o mundo
redondo, achatado nos polos.
Precisava pagá-los pois sustentavam famílias.
Não achou o vil metal em lugar algum que estivesse ao alcance de suas poderosas
mãos. Ouviu dizer que estaria na bolsa. Que bolsa? Nunca chegou a saber nem de
que material era feita. Melhor dizendo, a coisa demorou tanto que o vírus foi
hibernar, a doença esteve sob controle, e ninguém se interessou em investir em
algo de lucro incerto, e demorado.
Daí a gente simples da aldeia Palco
Iluminado, o Bola vestido de dourado e mais o Bolinha, se juntaram. No Clube do
Bolinha meninas já eram aceitas. Uma delas, que comia melancia, ensinou a todos
a devorarem vegetais e não animais. A coisa começou a melhorar a partir de
então.
Foi a partir da mudança de hábitos,
inclusive o pior deles que era juntar dinheiro sendo que ninguém o come... que
nosso mundo voltou a florescer.
Escutei esse versinho, ou foi pura
impressão minha: “Mundo, mundo, velho mundo. Se eu me chamasse Raimundo, seria
uma rima... não uma solução”.
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dezembro 11, 2020
As gavetas
E chegou o dia de limpar e organizar
gavetas. Pensei que levaria um dia. Já nem sei quantos dias estou a desenvolver
essa tarefa. Só em uma gavetinha de penteadeira levei vinte e quatro horas divididas
em dois dias. Primeiramente tenho que confessar que a tal gaveta já se
encontrava entupida a ponto de nem fechar direito. Tirei pentes e escovas de
cabelo pendurando-os onde pudesse usa-los sempre que pretendesse sair de casa.
Tenho cabelos rebeldes. Se o tempo está úmido ficam ouriçados. Se o tempo está
seco pioram, porque levantam voo ao primeiro vento. Em dias normais,
submetendo-os às hidratações regulares, até que ficam assentadinhos. A “moça do
tempo” falou na televisão que vem chuva lá na serra? Tenho que passar as dez
escovadelas na cabeleira para que os fios agradeçam e fiquem com as ondas nos
lugares certos, e não como se fosse dia de ressaca na orla. Por essa, e mais
outras, onde vou compro outros tipos de escovas de cabelo, para teste. Também
gosto de trocar por modelos novos, cores diferentes.
Voltando à arrumação da pequena gaveta
achei: mini secador e chapinha. Será que ainda funcionam? São próprios para
levar em viagens, e nem sei há quanto tempo não saio em excursão. Testei.
Precisam de uma arribada. Separei-os para levar ao consertador qualquer dia
desses, e volta-los aos devidos lugares.
E assim fui separando maquiagens, de
pomadas e cremes hidratantes. Presilhas, elásticos, tiaras e tique taque
próprios para os penteados, combinando com roupa e ocasião.
Para o Serviço? Tudo discreto.
Festividades e comemorações à noite? Brilhos,
sedas e veludos.
Tenho que explicar por que não tenho, nem uso
prendedor de cabelo conhecido como piranha? Ainda bem que não.
Enfim cheguei ao fundo da gavetinha para
retirar e trocar o forro emborrachado que não deixa os pequeníssimos objetos
como tarraxas de brincos, ficarem rolando pra cá e pra lá no abre e fecha diário,
e constante, daquele esconderijo. Surpreendi-me com as miudezas ali
encontradas: de grampos a parafusos caídos de algum lugar, uma gama de objetos,
que eu já havendo dado como desaparecidos, havia comprado outros em
substituição. Eram coisas que comumente se ganha de brinde ou no serviço de
bordo do avião. A pasta dental para uso único, tinha virado pedra; Clipes para
papel, enferrujados; gominhas grudadas umas nas outras; Fones auriculares, com
fio enrijecido, e tantas outras coisas indispensáveis numa pochete de turista,
que nunca sabe ao certo, a dificuldade a encontrar pela frente.
Saiba o leitor, que um simples grampo
é capaz de destravar uma fechadura. Uma pastilha de menta substitui o creme
dental para se dar “bom dia” à vizinha de poltrona ao amanhecer no ônibus, que
leva a excursão. Uma gominha de borracha tem mil e uma utilidades. Uma moeda
decide quem ganha no “Cara ou Coroa”. O colírio que substitui a lágrima poderá até
desentupir narinas numa emergência.
E de gavetas médias, a grandes e
pequenas, retirei coisas que poderiam ser hoje obsoletas das quis muita gente
nem irá lembrar-se. Para que servem mesmo os enormes guardanapos de tecido
igual ao da toalha, que outrora limpavam bocas sem batom? Substituídos por
guardanapos descartáveis em diversos feitios e cores, poucos sabem do uso deles
no colo em hora de refeições. Afinal muitos banquetes foram preteridos por
churrascos à beira da piscina.
E nos quartos estavam os peignoirs,
literalmente abandonados às traças! Ainda são usados para recompor quem está
acordando em pijamas de listras?
As gavetas dos armários da cozinha
foram as que mais surpreenderam-me pelo enorme número de ferramentas de usos
bem específicos mesmo. Os anúncios televisivos que me levaram a adquiri-las
certamente foram muito tentadores. Cheguei a reconhecer alguns objetos como:
furador de coco, ralador de pimenta, concha de servir sorvete, saca tampinhas de
garrafas, e escorredor de arroz. Os demais separei em duas turmas. De um lado
utensílios culinários que fizeram por merecer aquele espaço quando havia
crianças, e idosos na casa. Os que nem eu, que marquei presença naquela cozinha
por longos anos, consegui lembrar-me para que serviram um dia, se é que foram
usados.
Essa atividade de hoje me levou a
pensar:
- Há mais coisas engavetada aqui, do
que a maior imaginação supõe!
- Só um isolamento social forçado
haveria de fazer-me pegar uma tarefa dessas com bom humor!
Diriam meus descendentes:
- `Bora pro novo tempo!
dezembro 04, 2020
É peça teatral
novembro 27, 2020
Tempo Colegial
Foto: Marcelo Di Carli |
Quem teve o tempo de colégio interno, algumas lembranças há de ter. Muito estudo, disciplina rigorosa, horário definido para cada atividade, professores exigentes, recreios curtos, longas esperas para feriados prolongados em casa, e amigos fiéis sempre prontos a burlar as regras gerais e aprontar alguma arte que nada tinha a ver com atividade artística.
Começando a descrever do último andar
do prédio colegial, meu tio de idade avançada e memória nem tanto, contava aos
sobrinhos netos ao seu redor:
“Lá no alto, perto da caixa d’água e
do para-raios, tínhamos de espantar urubus da escada metálica existente do
primeiro telhado ao seguinte e descermos de costas, segurando nos próprios
degraus.
Ali era o nosso posto de sondar através de
duas claraboias: a que iluminava o altar da capela; a da escadaria dupla a
descer ao andar seguinte. Da primeira, espionando de cima para baixo e de fora
para o interior do colégio, visualizávamos nossos colegas contritos decerto a
orar pelas boas notas nas provas. Da segunda claraboia, chegávamos a ficar
tontos observando as fileiras de alunos subindo ou descendo que nem correição
de formigas ou desenho de Maurits Cornelis Escher.
Agora é hora de entrar
sorrateiramente pela varanda e descer mais um ou dois lances de escada para
acabar com a espionagem quase secreta, e adentrar na sala de aula como se nada
tivesse acontecido. Se houvesse perguntas por parte do professor a resposta
estaria na ponta da língua. O primeiro: - Estive no reservado. _ O segundo: -
Fui à enfermaria. O último: - Fui buscar a caneta esquecida no dormitório.
Nas cabecinhas ocas, ideias para as
próximas escapadelas:
- Visita ao terreiro e caseiro.
- Banho nas águas do ribeirão onde
ainda não era despejado esgoto.
- Uma pulada de muro para o bairro, e
diversão com outros meninos a cabular aulas em:
_ disputa de Bafo (jogo de perde
ganha de figurinhas); bolinha de gude; finca e até carrinho de rolimã emprestado,
ladeira abaixo.
A frase que resumia tudo era uma
tradução jocosa de ”Coeur contritum e umilliaatum Deo no espichet”.
- Couro curtido e molhado nem Deus
espicha.
novembro 20, 2020
Além da Imaginação
novembro 13, 2020
Muito inteligente
novembro 06, 2020
Inédito
Free photo 734214 © Juan David Ferrando |
Meu próximo texto terá esse título
aí. Quem sabe alguém tenha a curiosidade em lê-lo, não é mesmo?
Além do ineditismo vou recheá-lo dos
assuntos apropriados a ganhar novos leitores. O leitor dessas mal traçadas
linhas poderá perguntar-me que temas eu abordaria, sem receber uma resposta
elucidativa de minha parte. Inédito é inédito. Se eu ficar proclamando aos
quatro ventos o que está contido ali, depois da capa ser aberta, serei
incoerente. A brincadeira vai perder a graça!
Numa entrevista improvável de
acontecer do jeito que imagino, alguma rede televisiva talvez me arguisse
começando por essa máxima: - Por que você publica seus escritos?
Calmamente eu ponderaria: - Minha
mente não para de ter ideias. Para que eu consiga cuidar da minha vida como devo,
tenho que escrever. Se escrevo e arquivo aquilo fica martelando meu pensamento.
Quando divulgo sinto-me livre para outro texto a povoar minha mente. Não sei o
que será o fim disso, nem o que o Serafim disse! Vou escrevendo. Vou
divulgando. Em tempos de isolamento pandêmico vem a ser uma solução razoável.
Não canso de desculpar minha vontade
insaciável de transformação de pensamentos em letras achando ser um incentivo
para quem, não sendo escritor ou escritora, leve a cabo sua vontade de
escrevinhar, e divulgar.
Pode ser uma bobeira, mas faz parte
do problema.
Quando eu era criança, já
alfabetizada, escrevia cartas e mais cartas para meu pai que viajava a serviço,
para vovó que residia em outro Estado, e para alguns dos meus irmãos que
estudavam em cidades distantes. Parabenizava-os pelo aniversário; descrevia as
comemorações locais; desejava-lhes Feliz Páscoa mesmo sem entender direito o
significado, e contava poucas novidades. Com minha melhor letra conseguia
preencher uma ou duas páginas no máximo. Se datilografadas, caberiam três cartas
numa folha de papel ofício.
A segunda pergunta que o
entrevistador certamente me dirigiria, acho que ia ser sobre o mix que costumo
fazer de linguagem formal, vocabulário culto, palavras populares ou gírias do
momento, em meus escritos. Sentir-me-ia embaraçada para responder. É que eu
quero sentir-me próxima do leitor seja lá com a idade ou formação escolar que
possua. Se ele conseguir identificar-se com um vocábulo utilizado por mim numa
página que seja, já estarei satisfeita. Isso não é bobeira. É bem mais. É
sentimentalismo puro!
Já vivi bastante, lustrei muitos bancos de
aprendizado, convivi com pessoas diferentes, viajei... Entretanto até hoje não
consegui separar, classificar, ordenar por ordem crescente ou decrescente tudo
que é pensamento que me dá na telha.
Sou capaz de engabelar qualquer mente
perniciosa iludindo-a com a questão maior: “Ser ou não ser”.
Pessoas querendo saber de mim, o que
eu mesma ainda desconheço, assustam-me. Parece que estão querendo ver-me do
avesso, sem outro objetivo que não seja de satisfação própria. -‘Tô fora!
Mas, afinal querem mesmo saber de
algo inédito, que seja lido e comentado pelos maiorais do assunto “escrever e
ler”? muitos de nós que somos da escrita gostaríamos muito de saber...
A situação inverteu-se e caiu numa
pesquisa difícil, que resumo aqui em duas simples respostas:
- Os que leem para ter assunto com
leitores assíduos.
- Os que leem por gosto ao
ineditismo, seja de abordagem de um tema, ou do autor desconhecido parecendo
querer se infiltrar num meio ao qual ainda não pertence.
- E quem acha que pertence, tem
certeza disso no universo da escrita e leitura?
“Eis a questão”.
outubro 30, 2020
Procurações
Por Elisabeth Santos
O pior de se estar perdendo a memória é a pessoa gastar tempo em procurações. Procura daqui, procura dali, mas nem sempre acha. Tanta gente sem procurar confusão e achando em toda parte que vai... e a pessoa idosa nem isso consegue achar.
O pior mesmo é procurar onde colocou
seus óculos sem eles. Como haveria de enxerga-los com tanto desgaste de
envelhecimento das células através dos anos de vida? Também por que encomendou
armação de óculos moderninha? Assim é, que ela fica mesmo invisível ao olhar perscrutador
sobre qualquer superfície! Nada de dar desculpa fajuta à evidência a essas
alturas da vida. É tratar de procurar.
Ao achar os benditos, o procurador explica
para alguém de boa vontade, e que esteja por perto, seu drama pessoal. E não é
que a solução aparece? Encomendar outros óculos. Características: leve, para
não ferir a pele do nariz; colorido em cor vibrante, sem medo de ser feliz; nem
pequenos, nem enormes; mesmo grau nas lentes daquele par que vai para a ótica
de modelo; estojo vermelho brilhante; e por enquanto nem pensar em chip
detector do chamado:
- Onde estás meu amor, luz dos meus olhos, rei
da minha autonomia?
E agora só falta decidir-se onde vai
guardar o estojo que contem o que há de mais precioso no momento: seus óculos sobressalentes.
Nem pensar em esconderijo! Gaveta também não. Poderá mofar ali engavetado. Que
tal pendurado em frente ao espelho? Ou num cabide do guarda roupas? Sobre a
penteadeira? Também não, pois um esbarrão acidental poderá derrubar o precioso.
Mas enfim já está prometido e juramentado: sempre no mesmo lugar.
Então na próxima procuração de seus
óculos, alguns anos depois, foi bem assim:
_ Onde estou: sala, quarto, cozinha
ou banheiro? Tirei os óculos para limpá-los, para dormir, para não engordurar,
ou foi para tomar banho?
Melhor pendurá-los ao meu pescoço.
- Alguém aí me ajuda com outras
sugestões, por favor? Já operei catarata e retina viu? Ah... já existe cirurgia
de memória? Não? Então o que foi que você falou aí? Acho que estou ficando
surda...
outubro 23, 2020
Do lado de lá
Tratava-se de uma família numerosa e
cheia de amigos, agregados, e também de amigos dos aparentados. Quando se
reuniam, enchiam uma Pousada e ainda sobrava gente para lotar o pátio interno e o calçamento à entrada da porta principal. Ainda assim iam chegando casais
empencados de filhos, e netos. Todos acostumados com o ambiente, iam se
ajeitando, se servindo, tomando seus lugares. Não estava estipulada hierarquia,
pelo respeito à tradição prevalecia a lei “quem chega primeiro escolhe onde quer
ficar”. Os grupos iam desenrolando assuntos sérios, e também os divertidos.
Quanto a estes, se fossem analisados à luz das normas estabelecidas nos últimos
anos, eram diálogos entremeados de anedotas preconceituosas. Os que bebiam
bebidas alcoólicas riam às bandeiras despregadas. Os que bebiam sucos de
frutas, saiam quando o clima pesava, davam uma volta por ali, se apresentavam
aos novatos da turma, e retornavam ao grupo de origem.
As crianças se misturavam de tal
forma, correndo de lá para cá, que algumas vezes lhes chamavam a atenção, e não
eram seus pais! Depois se desculpavam: - Olhei rapidamente e achei que eram os
meus filhos correndo risco de se machucarem. Essa criançada se parece muito. O
autor da censura, constrangido, se explicava pelo engano.
Tudo terminava bem.
Ali, a prosa sempre podada era a de
se gabarem de suas façanhas. Afinal de contas, todos sem exceção tiveram, em algum
dia da vida, local mais propício para se enaltecerem. Uns foram pescadores de
grandes peixes, outros plantadores de altas árvores, além dos que: criaram
animais de crescimento fora do comum, construíram de pinguelas a pontes ou se
tornaram louvados e glorificados por feitos humanitários.
Do lado de lá, donde vieram tais
informações, ninguém desejava ser mais ou maior que o outro. Local da paz e do
bem. As desavenças ou simples divergências de opiniões não viravam brigas de
egos.
Eis que surge a pandemia e deu-se
início a chegada ao grupo “paz e amor”, muitos revoltados querendo descobrir,
inclusive, os responsáveis pelos transtornos do lado de cá.
Estes especulavam, levantavam
questões de difícil raciocínio, lançavam hipóteses, julgavam com os dados que
tinham, apontavam culpados sem conseguir provar a origem verdadeira da pandemia.
Talvez não tivessem conseguido até então determinar “a origem” por não ter sido
uma causa única. Misturando-se aos “do lado de lá”, quem sabe conseguiriam?
Se iria adiantar de alguma coisa ninguém
poderia afirmar. Tinham fé. Se estaria, ou não, sendo tarde demais...
desconheciam também.
Apostando na ideia de evitar outros
pecados dali pra frente, entabularam diálogos sem fim. Se, ainda não chegaram a
um consenso decerto chegarão ao desfilar das aguardadas próximas gerações.
Lamentavelmente muitas vidas se
foram, mas o nosso mundo ainda não acabou. Pode ser que ainda haja tempo.
Palavras da turma do lado de lá, esperançosa de que os chegantes absorvam a paz
e o amor, depois de muita discussão sobre o hipotético questionamento: - “Quem
veio primeiro: o ovo ou a galinha?”
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