novembro 27, 2020

Tempo Colegial

Por Elisabeth Santos

Foto: Marcelo Di Carli

Quem teve o tempo de colégio interno, algumas lembranças há de ter. Muito estudo, disciplina rigorosa, horário definido para cada atividade, professores exigentes, recreios curtos, longas esperas para feriados prolongados em casa, e amigos fiéis sempre prontos a burlar as regras gerais e aprontar alguma arte que nada tinha a ver com atividade artística.

Começando a descrever do último andar do prédio colegial, meu tio de idade avançada e memória nem tanto, contava aos sobrinhos netos ao seu redor:

“Lá no alto, perto da caixa d’água e do para-raios, tínhamos de espantar urubus da escada metálica existente do primeiro telhado ao seguinte e descermos de costas, segurando nos próprios degraus.

Ali era o nosso posto de sondar através de duas claraboias: a que iluminava o altar da capela; a da escadaria dupla a descer ao andar seguinte. Da primeira, espionando de cima para baixo e de fora para o interior do colégio, visualizávamos nossos colegas contritos decerto a orar pelas boas notas nas provas. Da segunda claraboia, chegávamos a ficar tontos observando as fileiras de alunos subindo ou descendo que nem correição de formigas ou desenho de Maurits Cornelis Escher.

Agora é hora de entrar sorrateiramente pela varanda e descer mais um ou dois lances de escada para acabar com a espionagem quase secreta, e adentrar na sala de aula como se nada tivesse acontecido. Se houvesse perguntas por parte do professor a resposta estaria na ponta da língua. O primeiro: - Estive no reservado. _ O segundo: - Fui à enfermaria. O último: - Fui buscar a caneta esquecida no dormitório.

Nas cabecinhas ocas, ideias para as próximas escapadelas:        

- Visita ao terreiro e caseiro.

- Banho nas águas do ribeirão onde ainda não era despejado esgoto.

- Uma pulada de muro para o bairro, e diversão com outros meninos a cabular aulas em:

_ disputa de Bafo (jogo de perde ganha de figurinhas); bolinha de gude; finca e até carrinho de rolimã emprestado, ladeira abaixo.

A frase que resumia tudo era uma tradução jocosa de ”Coeur contritum e umilliaatum Deo no espichet”.

- Couro curtido e molhado nem Deus espicha.



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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