outubro 30, 2020

Procurações

Por Elisabeth Santos



O pior de se estar perdendo a memória é a pessoa gastar tempo em procurações. Procura daqui, procura dali, mas nem sempre acha. Tanta gente sem procurar confusão e achando em toda parte que vai... e a pessoa idosa nem isso consegue achar.

O pior mesmo é procurar onde colocou seus óculos sem eles. Como haveria de enxerga-los com tanto desgaste de envelhecimento das células através dos anos de vida? Também por que encomendou armação de óculos moderninha? Assim é, que ela fica mesmo invisível ao olhar perscrutador sobre qualquer superfície! Nada de dar desculpa fajuta à evidência a essas alturas da vida. É tratar de procurar.

 Ao achar os benditos, o procurador explica para alguém de boa vontade, e que esteja por perto, seu drama pessoal. E não é que a solução aparece? Encomendar outros óculos. Características: leve, para não ferir a pele do nariz; colorido em cor vibrante, sem medo de ser feliz; nem pequenos, nem enormes; mesmo grau nas lentes daquele par que vai para a ótica de modelo; estojo vermelho brilhante; e por enquanto nem pensar em chip detector do chamado:

 - Onde estás meu amor, luz dos meus olhos, rei da minha autonomia?

E agora só falta decidir-se onde vai guardar o estojo que contem o que há de mais precioso no momento: seus óculos sobressalentes. Nem pensar em esconderijo! Gaveta também não. Poderá mofar ali engavetado. Que tal pendurado em frente ao espelho? Ou num cabide do guarda roupas? Sobre a penteadeira? Também não, pois um esbarrão acidental poderá derrubar o precioso. Mas enfim já está prometido e juramentado: sempre no mesmo lugar.

Então na próxima procuração de seus óculos, alguns anos depois, foi bem assim:

_ Onde estou: sala, quarto, cozinha ou banheiro? Tirei os óculos para limpá-los, para dormir, para não engordurar, ou foi para tomar banho?

Melhor pendurá-los ao meu pescoço.

- Alguém aí me ajuda com outras sugestões, por favor? Já operei catarata e retina viu? Ah... já existe cirurgia de memória? Não? Então o que foi que você falou aí? Acho que estou ficando surda...




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora resolveu escrever e já publicou dois livros. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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