julho 25, 2014

Mamãe rendeira

Pintura naif da Beth

Os primeiros tempos de casados nem sempre eram fáceis. Mesmo o casal morando no quintal da sogra, tinha de mobiliar a moradia, e juntar um bom dinheiro para dar de entrada na aquisição de um imóvel próprio. Assim sendo, enquanto o marido trabalhava fora, a esposa explorava sua habilidade para ganhar uma grana extra.

Aquela que entendia de trabalhos manuais aceitava encomenda de toalhas e colchas bordadas; a que sabia costurar, virava modista; a das habilidades culinárias se virava nos trinta: trinta salgadinhos diferentes para vender aos trabalhadores da mão de obra civil. Trinta bolos de festa. Trinta doces das frutas que abundavam no pomar, que geravam maior lucro por não ser a matéria prima adquirida no comércio.

Só mesmo o açúcar cristal era comprado, isto quando o doce não era adoçado com a rapadura vinda do engenho da fazenda dos parentes.

O combustível do fogão era a lenha. A lenha? Vinda da galhada seca das árvores do quintal. Colher de pau feita pelas mãos do Nhô. E o tacho de cobre adquirido na mão do cigano depois de um inesgotável tempo pechinchando. Mesmo com incontáveis idas e vindas à fornalha ardente, o tacho resistia, atravessando gerações.

E por falar em gerações, as crianças nasciam uma por ano e eram colocadas em balaios de taquara onde cresciam e já iam para o chão engatinhar, puxar o rabo do gato, segurar na barra da saia da mamãe para ficar de pé pela primeira vez e aprontar artes na exploração do mundo ao seu redor.

Vender doces e salgados não era difícil também. Existiam truques passados de mães para filhas desde mil oitocentos e bolinhas, para torná-los mais e mais atraentes: laranjas cristalizadas eram mantidas inteiras, com o cabinho e a folha; figos cristalizados eram recheados com uma pelota de doce de leite; as compotas de mamão e abóbora tinham desenhos entalhados com facão e as cocadas em fita secavam em forma de flor num tabuleiro de tábua! Autenticidade e respeito às tradições, na medida do possível...

O que era difícil mesmo era receber o dinheiro das vendas fiadas, pois depois de salgados, tortas, bolinhos serem devorados... esquecia-se rapidamente também de quem os fez com tanto empenho. 

Acontecia...

Foi por isso que no decorrer dos tempos desenvolveu-se o empreendedorismo feminino. A arte de tornar o produto mais conhecido, estabelecer preço justo, combinar forma de pagamento, embalar com data de validade, deu um segundo significado à mulher rendeira. Não só tecia renda, mas aumentava a renda familiar de forma significativa!

E as mamães, que investiram nos estudos dos filhos, pelejaram com o “dever de casa” sem descanso, passaram exemplos de esforços que compensam.

Eu, que não consegui aprender datilografia, fui beneficiada com o advento tecnológico da informatização podendo hoje registrar minhas incursões no mundo empreendedor. Com orgulho ouso afirmar: de manicure, sacoleira, costureira, doceira, artesã e pintora entendo o suficiente para descrever, verbalmente ou por escrito, o processo de cada uma dessas atividades no passo a passo mesmo. Com um só dedo no teclado, resultante de persistência, o que é muito bom também!

Ka ka ka... ka ka!



--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leave your comments here.