agosto 08, 2016

Como foram as travessias de sua vida?

Foto de uma travessia em Ouro Preto, Minas Gerais.

Já prestou bem atenção na letra da música Travessia do Milton Nascimento? Se identificou? Ou remeteu a algum momento de sua vida? 


Um pouco sobre as travessias da vida, e de Milton Nascimento. 

Milton Nascimento, um completo artista, cantor, mas não só isso, um ser humano que supera expectativas e padrões pré-estabelecidos nessa dimensão em que vivemos, alguém que podemos denominar divindade até por conta de seu desígnio de vida que é o de estar no palco e se apresentar como a própria arte em pessoa, é brasileiro e apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, foi ainda pequenino com a família morar em Três Pontas - sul de Minas Gerais, onde cresceu se apaixonando cada vez mais em viver a música e amizades. Quando chegou a grande hora de “ser alguém na vida”, se viu cobrado em cursar uma faculdade para ter algum diploma, caso seus sonhos envelhecessem. Então, assim que se formou em Contabilidade (não, péra, foi isso mesmo? Sim, Contabilidade, contas e números) foi para BH tentar a vida como músico. 

Naquela época - como ele mesmo diz em algumas entrevistas - música boa era música, qualquer música. Toda música era um bom trabalho e agradava a todos, não existia separação entre gêneros e pessoas pelo estilo musical. Nesse sentido, ele tocava de tudo nos barzinhos, de boleros argentinos à MPB ou uma moda, ele era músico e tocava música em um momento que toda música era música e não havia uma separação entre ritmos e pessoas. A música nesse tempo aproximava pessoas e as faziam sentir e bailar. Havia muitos bares-casas de shows, onde as pessoas bebiam, dançavam ao mesmo tempo que apreciavam a música orgânica (e não mecânica).

Na década de 60 Milton, nosso amável Bituca (que aprecia esse apelido de infância), conhece Fernando Brant (também mineiro) e encarrega o menino – que mais tarde viria fazer parte do apaixonante Clube da Esquina – de escrever a música Travessia que em 67 viria ganhar o segundo lugar no II Festival Internacional da Canção no Rio de Janeiro. Ninguém poderia imaginar – tirando, é claro, o Milton, que é uma divindade - que um menino que nunca tivera composto na vida se sairia tão bem na primeira música e então continuaria desenhando canções tão lindamente em sua trajetória de vida com parcerias fabulosas. 

Enquanto ouvimos a música Travessia podemos imaginar inúmeros tipos de travessias em nossas vidas. A TRAVESSIA enquanto caminho percorrido com obstáculos, aquele que exige esforço, vontade e força para “tirar da cartola” é talvez a coisa mais relevante de nossas vidas, o que mais faz sentido e nos faz refletir, olhando para trás e vendo o quanto conseguimos crescer de um ponto a outro, evoluir, mudar, seja em qualquer questão.  

Certa vez disse a Monja Coen em uma de suas entrevistas em analogia a esse mesmo assunto, algo como ter ido ao Monte Fuji e ser abordada por isso, sempre perguntam a ela como é a vista de lá de cima, comentam sobre como parece lindo lá de baixo, mas sobre o caminho, a travessia, a caminhada, poucos desejam saber, fazer, encarar. Ela deixa em evidência que cada ser humano deve passar por esse processo para seu próprio bem e crescimento, sendo que ninguém pode fazer isso pelo outro. Ela chegou ao topo do Fuji, mas para isso precisou de atravessar um grande caminho com muitos obstáculos. 

A música de Bituca e Brant tem um tom melancólico, de tristeza, mas também de superação porque descreve o momento de caída de alguém em um limbo ou fundo do poço, onde se sente sozinho, impotente e sem esperanças. De noite é mais difícil de enxergar e tomar um rumo na vida e nesse momento nenhum lugar é nosso, há um descompasso tão grande que não sentimos bem nem dentro de nós mesmos, pois a situação que provocou todo esse estado mexeu de tal forma em nós que tirou tudo do lugar, até nós de nós mesmos, e ainda que  forte, ao passar um momento desse, chorar nada mais é que demonstração de humanidade e humildade no sentido de reconhecimento de que não podemos controlar tudo o tempo todo, nem as vezes nossos próprios  sentimentos ou como lidamos com eles. Caminho de pedra é aquele cheio de obstáculos, dificuldades, e como sonhar se minha tendência agora é enxergar essas pedras em evidência? Só posso querer me matar. Depois de sentir a tristeza, de sofrer, de acolher esse tipo de vivência -que faz parte da vida e não é tão menos importante que o de desfrutar da vista ao chegar no topo da montanha- os autores da linda canção nos mostra que podemos escolher tomar de volta o rumo de nós mesmos, voltar a caminhar com certa leveza e mais: sem deixar que a mesma intensidade de sofrimento tome conta de nossas vidas outra vez: “vou seguindo pela vida me esquecendo de você. Já não quero mais a morte, tenho muito o que viver. Vou querer amar de novo, mas se não der não vou sofrer”. Isso é a consciência de que apesar de tudo, se fizermos bem uma travessia muito difícil um dia, encararmos ela, as próximas serão menos sofridas e terão menos impactos sobre nós, porque o segredo é estarmos firmes e conscientes de que “temos muito o que viver pela frente” e nada pode nos dar mais segurança do que estarmos com nós mesmos. 

A canção Travessia pode ser vista como a travessia de um sofrimento por um amor que se desfez, ou pela superação da partida de alguém querido dessa vida ou ainda sobre um momento terrível de nós com nós mesmos em alguma fase de depressão, mas o que há em comum em qualquer das variáveis é que a tristeza, a dor emocional, a falta de rumo, o sofrimento, seja ocasionada por agentes externos ou internos, vem para todos, faz parte da vida e é importante, humano e honroso encarar e acolher isso, mas depois podemos escolher caminhar, levando, claro, tudo o que passamos em consideração, mas vivendo da melhor forma possível com nós mesmos. Caminhar para frente e de cabeça erguida! 

Milton Nascimento, dotado de grande originalidade e perspicácia trabalha vários tipos de influências em sua música: algumas como Jazz, Cantigas e Congado mineiros, bem como pegadas afro-brasileiras, indígenas e latino-americanas. Teremos mais curiosidades sobre seu trabalho no Blog Designer Sensible. 

TXAI Bituca, TXAI! 

Dedico esse post aos queridos: Vander Schulz,  Marta Luzie, Renata Angélica, Adriana Lettieri e Deivid Junio.


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Amanda estuda Filosofia e mora em Ouro Preto – MG. Lança no mundo um olhar contemplativo e é por isso que gosta trocar informações e curiosidades sobre tudo o que admira e experimenta. Acredita que as perguntas movem o mundo e o conhecimento pode ser um remédio para a alma. Escrever no Caderno de Perguntas é uma forma de passar um pouco da sua bagagem adiante.

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