Por Elisabeth Santos
O fato ocorrido na cidade:
_Hoje de manhã ouvi um barulho repentino na área de
serviço da casa, e fui verificar o que poderia ter acontecido ou estar
acontecendo. Lá estava uma maritaca adulta se debatendo no vidro do janelão.
Ela poderia ter saído por onde entrou, ou pela porta aberta por onde eu entrei,
porém insistia em atingir a árvore próxima, onde via e ouvia seu bando. A vidraça, no entanto ficava a ser a
intransponível barreira. A primeira coisa que me ocorreu foi deixa-la só, por
uns minutos parar de bater a cabeça no vidro, acalmar-se e sair sozinha, pois
minha área de serviço não é gaiola, nem tampouco armadilha.
Voltei de luvas grossas, e também o celular para a
foto do fato. Lá estava ela, ofegante, parada num canto. Disfarçadamente
retirei cortinas que atrapalhavam a abertura dos janelões, e saí pé-ante-pé.
Nem vi a Assustada ir embora para nunca mais voltar, assim espero.
...
O mesmo acontecimento narrado pela maritaca de volta
ao bando:
_ Todos aqui já têm residência fixa, e fui procurar local
para mim e minha noiva. Gostamos daquela casa ali, e rumamos em direção ao seu
telhado. - falou apontando com a asa o local em questão.
Eu queria impressionar minha amada, descuidei-me
escorregando por baixo das telhas. Fui parar numa varanda sem forro de madeira,
e com medo não queria de jeito nenhum alcançar o chão. Vi nossa árvore e quis
alcança-la para voltar ao ponto de saída, ou melhor, ao ponto da minha caída.
“Me dei” mal... Bati a cabeça várias vezes. O bicho Homem não pensa na gente,
que nem gente é, ao construir paredes que nem paredes são. Quero ir embora
desse lugar. Vamos pro norte, vamos pro norte!
...
A resposta do bando: _ ‘Tá se vendo que você bateu a
cabeça e deve ter ficado “loucreca”. Ao norte as coisas estão pretas. Puro
carvão!
...
A defesa dos donos da casa tida e havida como refúgio indevido de aves:
_ Nossa intenção sempre foi das melhores. Construímos
e envidraçamos a lavanderia pensando em iluminação natural, e vista para o
terreiro de muito verde, ar puro, gorjeio da passarada voando livremente, longe
de perigos. Nem imaginamos que pudesse acontecer algum incidente desse tipo.
Não somos culpados, e lamentamos o imprevisto que poderia terminar em tragédia.
...
Antes de reproduzir aqui o veredicto final, a escrivã
de plantão (de passarinho a passarão...) acha por bem descrever o aspecto
físico do juiz muito imparcial mesmo: Olhos de águia, bico de papagaio, peito
de pombo, gogó de ema, capa de um urubu em cima de telhado, pé de pato, esporão
de galo e outros detalhes inconfundíveis, mas um ser sobretudo humano, muito
humano mesmo...
Ele proferiu estas palavras:
_ Darei a sentença do rei Salomão. Ambas as partes vão
repensar em quê, e quanto poderão ceder por uma convivência sadia. Afinal o
Bicho Homem destruiu espaços comuns, e as aves do céu que não plantam nem colhem,
tiveram de invadir suas propriedades. A sobrevivência de ambos está
interligada.
O juiz bateu o martelo em sua mesa de madeira de lei e
ouviu um: _ Ai! Antes que seus ouvidos de cão caçador, começassem a trazer mais
reclamações ao cérebro astuto de velha raposa...
Desejou a todos um bom dia, encerrando a sessão com a
calma de um cisne em águas paradas.
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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