agosto 09, 2019

De supetão


Por Elisabeth Santos

Pegaram-me de surpresa hoje. Ouvi e atendi o interfone: _ Oi Arlete, sou eu Cristina. Preciso muito falar com você!

Não acionei o trinco eletrônico do portão, mas fui ver se era a Cristina que eu estava pensando. Pela tela do circuito fechado pela câmera de segurança seria difícil identificação sem zoom. Era uma desconhecida. Aproximei-me dela através do portão e escuto esta:

“_ Pelo amor de Deus, me ajude. Minha filha tomou veneno, foi levada pro hospital de Varginha e eu preciso ir pra lá. Não tenho trinta reais pro ônibus, o Serviço Social da prefeitura já fechou. Pedi naquele comércio ali e eles disseram para eu pedir emprestado à senhora, que me socorreria.”

Eu tinha reparado que ela tremia muito, pois seus braços estavam bem perto de mim, atravessados na grade de metalon da entrada do jardim. A única coisa que consegui responder com lucidez foram as seguintes palavras: _ Não precisa pedir pelo amor de Deus. Vou ajuda-la.

Entrei em casa a procurar uns trocados porque costumo usar débito em cartão. Gastei uns minutos, voltei a entregar os trinta reais à desesperada pedinte, que ainda nervosa mostrou-me a perna com uma veia “pulando” e... sumiu.

_ Deus lhe pague, Deus lhe pague! – Foi o que consegui ouvir. O esperado: _Devolverei qualquer dia desses!- Eu não ouvi não!

Aí... o pessoal de casa perguntou-me sobre o que aconteceu e respondi-lhes o que escrevi acima. Também falei para olharem a gravação na câmera.

_ Conheço essa larápia velha de guerra. Vive de trambique. - disse um.

E eu, a vítima, tive de ouvir algumas admoestações, reprimendas ou pitos mesmo.

O que vimos juntos na câmera foi a veracidade dos fatos por mim narrados; e mais o antes, e o depois do “conto da vigarista”. Antes de tocar o interfone no portão da casa, posto que, veio preparadíssima pro golpe de mestra, comprimiu com as duas mãos a veia da panturrilha direita. Está lá no filme. Isto deve ter causado a tremedeira necessária para que eu cresse em seu palavrório, talvez tenha até provocado as lágrimas que brilharam em seus olhos.

E eu?

Eu fiquei naquela de: _E agora Maria José? Você, tão experiente, tão alertada pra esse tipo de coisa... cair que nem uma patinha na lagoa?

Não tenho justificativa a não ser esta: _ Fui pega de supetão!


Elisabeth Santos / Fevereiro de 2019




Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".   

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leave your comments here.