maio 03, 2019

Visitinha para gente grande

Por Elisabeth Santos

Abri a porta e ela entrou olhando rapidamente os quatro cantos da sala, cumprimentou-me com um beijo e quis logo saber dos carneirinhos que viu ali há uns anos.

Então ela se lembrava da minha casa... Surpreendi-me!

Fomos ver os carneiros e coloca-los posicionados como se fossem uma família: pai, mãe e filho.

Conversamos de variedades e ofereci-lhe bolo de chocolate. Não quis, mas sugeriu ser o bolo de leite condensado bem mais gostoso para acompanhar o refresco que lhe servi. Ao perguntar-lhe sobre sua nova receita de bolo respondeu-me que os ingredientes eram os mesmos de qualquer outro, porém com leite condensado.

_ Sobre o bolo pronto?- tive de perguntar-lhe.

_ Não. É misturado na massa.

Então fomos experimentar a novidade, colocando tudo na tigela da batedeira, substituindo leite e açúcar pelo conteúdo da caixinha de leite condensado. O bolo cresceu, espalhou um cheiro convidativo pela casa, assou rapidamente e ficou muito saboroso. Enquanto lanchávamos minha visitante explicou que já não apreciava o de chocolate por achar muito popular. Entendi que ela realmente queria experimentar um sabor novo, inventado na hora. Para eu ser mais exata, inventado no instante que ela visualizou a caixinha da iguaria na prateleira da despensa.

Na piscina não podíamos entrar devido ao sol forte... Então sugeri termos juntas uma hora artística. Cantamos, dançamos na maior alegria e decidimos fazer pinturas. Eu risquei meu desenho antes de pintá-lo. Ela não. Direto nos pincéis e tintas espalhou personagens por espaços bem definidos, criou tonalidades e fez questão dos detalhes. Explicou-me quais seriam os detalhes que gostaria de ver em sua arte. Percebendo minha cara espantada... abriu uma revista colorida e virando as páginas ia apontando:

_ Olha isto aqui. É um detalhe. Olha este outro, também é um detalhe.

Só pude responder:

_ Tá bem. Já entendi.

Rumamos para o quintal a procurar o lagarto, mas só encontramos uma lagartixa que foi colocada num vidro. Achando um besouro o pusemos no mesmo frasco.

Sem achar outros bichos mortos, colhemos alguns limões verdes que não queriam desprender do galho, uma pitaya madurinha, e demos por encerrado o período de caça e colheita.

Ao sentarmos à mesa do jantar, com as mãos cheirando a sabonete, a conversa era outra:

_ Não quero a carne porque não gosto que gente mate bicho para comer.

Também não vou usar canudo para beber limonada porque não quero que vá para a natureza com o lixo para o golfinho engolir pensando que é uma minhoca e depois morrer.

_ Tudo bem. Comeremos omelete. Amanhã faremos soja no lugar da carne. E nada de canudo de plástico para tomar refresco. Somos gente grande, beberemos no copo.

Lembrei-me que aquela sabedoria toda vinha dos seis anos de vida da pequena, e que eu com meus sessenta bem vividos ainda teria muito que aprender ali. Por exemplo:

_ Ouvir crianças ou estrelas! Quem sabe parar uns momentos para ouvir uma criança estrela?

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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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