março 04, 2016

O dono da esquina

Por Elisabeth Santos

Um lindo quadro da Beth.

Na esquina daquela avenida ali mora uma pessoa. Não mora nessa casa, nem naquele prédio. É um morador de rua e é na rua que ele mora.

Antenor Antunes de Albuquerque Segundo é seu nome inteiro.

Não se trata de um mendigo. Ele é um morador de rua, ou morador de avenida, se preferir o leitor, posto que sua moradia fixa seja na esquina da avenida com a rua transversal.

As pessoas o chamam de Sontonio. Ele atende.

Os moradores das casas e apartamentos vizinhos trazem-lhe água de beber, vale refeição, roupas, e não o deixam passar frio. Ele agradece, responde o que lhe é perguntado, mas nada pede para si. Por isso nenhum dos passantes se refere a ele como mendigo. É só mais um, que ficando sem moradia optou pela rua. O pessoal já fez de tudo para convencê-lo a ir para um abrigo e Sontonio não quis.

Diz que experimentou, e não gostou. Claro que foi bem tratado, mas aquela história de ter horário de refeição, de chegada à noite, de tomar banho todo dia por obrigação, não acostumou não senhor! Já nem sabia há quantos anos era um “sem teto”... Primeiro morou na praça da fonte. Era muito bom. Banhava-se naquela água e sua roupa estava sempre limpa. Depois morou sob uma árvore existente no canteiro central de grande avenida. Debaixo de viaduto achou perigoso morar e permaneceu pouco tempo.

Sontonio tem muitos amigos na calçada da rua onde mora. São pessoas de bom coração, que o cumprimentam, às vezes param para conversar, perguntam se estaria precisando de alguma coisa. Existe até quem cuide de sua saúde, de seus pés machucados de andar, andar, andar...

Um dia desses, alguém permitiu que ele tomasse banho de mangueira em seu jardim. Noutro, alguém lhe trouxe cortador de unhas e sandália de borracha. Em seguida apareceu uma sacolinha de supermercado com uns objetos perto do homem que dormia no seu travesseiro de pedra. Eram apetrechos para barbear, e até um espelhinho.

Dona Dôra, passando por ali testemunhou a transformação. Sontonio perguntou-lhe se teria uma bolsa de viagem para emprestar-lhe. Foi a primeira vez que ele pedia algo, ela presenteou-lhe com uma.

E o morador de rua desapareceu. Disseram tê-lo visto no Departamento de Serviço Social da Estação Ferroviária.

Se voltou de onde veio, se foi conhecer outros belos horizontes... Ninguém soube afirmar.

Mal ele mudou-se, e apareceu outra criatura a ocupar sua moradia, espaço, ou o nome que quiserem dar ao pedaço de chão, que ocupa um ser humano nesse latifúndio.
    



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".  

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