Por Elisabeth Santos
Depois de longa estiagem, quando as crianças brincavam no terreiro quase o dia todo, veio um período de chuva. Neste ficaram todas presas dentro de casa lendo, fantasiando a vida, brincando de estátua, e também nos competitivos jogos de tabuleiros.
Chuva cessada, terra já seca, aquela infância feliz, desceu a escada da porta da cozinha para o quintal, correndo. Viram o verde mato crescido, cheirando a mato mesmo, parecendo um colchão de molas para dar uns pulos. Veio então a ideia luminosa: trazer um lençol de dentro do guarda roupas do corredor dos quartos. Estendê-lo sobre a relva. E deitarem naquela maciez de folhinhas tenras olhando as nuvens e dizendo a que se assemelhavam.
_ Um ... dois... três... iiipiii... já!
Que maciez que nada. Um belo choque das costas no chão duro, pois o mato vergou, virando um frágil matico. O jeito agora era dobrar o pano, todas as crianças segurando a pontas, e recoloca-lo em seu lugar. Mas a babá, estando a lavar roupinhas no tanque por ali, viu o erro. De tamanco mesmo, foi ao encontro da meninada e percebendo o lençol úmido de sereno, um pouco sujo da mistura do mato esmigalhado em contato com a terra, explicou que agora serviria para aparar os abacates, e depois por de molho para ser lavado.
Aí chegou o moço apanhador de abacates. Subiu ligeiro na enorme árvore acompanhado por vários parzinhos de olhos e ordenou a seus ajudantes que ficassem a postos. Cada qual segurando fortemente as bordas do lençol, aguardava o baque do abacate jogado do alto sobre o pano. Às vezes era um abacatão, uma criança menor soltava sua ponta de lençol, e as outras gritavam:
_ Pega logo, lá vem outro!
A cada seis abacates, o líder soltava sua ponta para as frutas escorregarem para o cesto trançado de taquara. Muitos cestos depois, todos cansados do “baile”, iam para o banho e o lanche: abacate liquidificado com leite condensado; abacate cremoso com açúcar e limão; abacate na cuia mesmo. Que delícia!
No outro dia, distribuíam bandejas daquelas frutas aos vizinhos, com a seguinte frase na ponta da língua:
_ Mamãe mandou esse presente para a senhora.
_ Que lindos! Agradeça muito a ela. Os abacates da sua casa são os melhores que existem por aqui. Tem a casca fininha, a polpa amarela e suave. Qualquer dia desses mando uns jambos, e mexericas para vocês.
E assim tínhamos boas frutas o ano inteiro!
Distribuíamos também cana de açúcar em gomos, banana maçã sem pedra, e a manga comum era trocada por perfumada manga rosa, à porta da casa da afilhada da Dona Margarida.
Simples assim:
_ Mamãe mandou essas frutas para você, e perguntou se já teria umas mangas maduras para ela.
_ Tenho sim- respondia aquela simpática mocinha sorrindo- Vou coloca-las na mesma vasilha que vocês trouxeram, que é para não voltar vazia.
Agradecendo, saíamos dali com aquele olhar de inocência, e mal virávamos a esquina, já estávamos mordendo a fruta madurinha.
Da nossa casa enxergávamos a mangueira de onde vinha aquela delícia perfumada, sem fiapo para grudar no vão dos dentes denunciando nossa gulodice para a Bá.
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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