janeiro 17, 2018

A parada dos animais

Por Milton Xavier de Carvalho Filho


Carreata de carros de boi no interior.
Clique aqui para mais fotos lindas da amiga Leca Caram.


Todo menino ou menina gosta de animais, e quer ter um para brincar a qualquer hora, principalmente os cães, pequenos, médios ou grandes. Se a moradia tiver quintal, o gosto se estende aos coelhos, galinhas e aos passarinhos, estes quando atraídos por alimento colocado sempre no mesmo lugar que lhes dê segurança contra súbitas investidas dos humanos. Há mais de um século, em todo o mundo, o passeio no jardim zoológico é excelente programa de final de semana para crianças e adultos.

Diante dos reclamos insistentes pela falta de animais no Jardim da Infância Celestial, (Folha Campanhense de 3/7/2014) São Francisco planejou uma sessão de cinema onde, aos domingos à tarde é exibido o desfile de animais domésticos e selvagens, cada qual com sua história de vida, explicada pelos maiores aos menores. Parada exige banda de música, e esta é integrada por jovens que escaparam das más companhias graças ao esforço de algum maestro abnegado, em alguma cidade esquecida dos donos do poder político. Dentre uma centena de outras agremiações musicais constituídas por jovens brasileiros, temos a Orquestra dos Meninos, da região do Agreste, em Pernambuco (cuja história está relatada no filme de mesmo nome), a orquestra juvenil de violoncelistas da Amazônia, sediada em Belém do Pará, a Bachiana Filarmônica SESI-SP, fundada pelo maestro João Carlos Martins, integrada por adolescentes, a Fanfarra do Irmão Paulo, em Campanha-MG.

Uma parelha de cavalos faz a abertura do desfile, um, o de São Jorge, outro, o da Santa Joana D’Arc, padroeira da França, que venceu os ingleses em 1429. Seguem-se três jumentinhos, o que conduziu Nossa Senhora na visita à prima Isabel, outro, o da fuga para o Egito e o da entrada em Jerusalém, na véspera da Páscoa. A vaca do presépio, imponente, precede o rebanho de ovelhas que representam milhares de outras, sacrificadas para agradar a Deus, nos tempos do Antigo Testamento.

O grupo dos cães é o mais numeroso e diversificado. Um vistoso São Bernardo representa todos os que salvaram centenas de pessoas soterradas por deslizamentos de neve nos Alpes europeus. Os cães dos esquimós ─ do Canadá, do Alaska e da Sibéria ─ puxam um trenó cheio de crianças (nenhum outro cão tem trabalho mais pesado do que o deles). Seguem-se os cães-guia dos deficientes visuais, os farejadores de pessoas sob escombros causados por desabamentos, os farejadores de pessoas sequestradas, os guardiães das casas, os guardadores de rebanho, e os que só sabem brincar com criança. A faixa como os dizeres fidelidade e obediência ao dono parecia encerrar a passagem do pelotão canino quando, devagar, apareceu, atrasado, um vira-latas provocando risos, até que o locutor explicou: a cadela Catita, em 1999, na cidade de Campos-RJ, atacou um pitbull que mordia o rosto do menino Lucas. Catita estava presa na coleira, amamentando seus filhotes, no quintal vizinho, quando ouviu os gritos do menino rebentou a corrente, pulou o muro, atacou o dorso do pitbull, que soltou a vítima. Catita apareceu na primeira página dos jornais.

Seguiu-se um grupo menor de cães de aparência doentia, o que aborreceu a plateia. O apresentador esclareceu que eles representavam milhares de animais sacrificados para o progresso da ciência médica. Os utilizados no Instituto Pasteur, em Paris, no final do século XIX, até que os cientistas conseguissem produzir a vacina antirrábica, em 1885, salvadora de milhares e milhares de pessoas em todo o mundo. E os cães que serviram de cobaia nos hospitais, para que os médicos experimentassem novas técnicas de cirurgia cardíaca.

No final, mais três cães, o companheiro de São Roque, o que acompanhava Dom Bosco no caminho de regresso à sua casa, e o cão Gellert, cuja estória emocionante, acontecida no século XII, no País de Galles, consta dos livros didáticos de Inglês essencial.

 Era tempo de dar chance aos outros bichos. Os gatos passaram silenciosos, pisando macio, de olho em algum rato que se atrevesse a cruzar o caminho. Uma faixa explicava: nossos pelos provocam alergia respiratória, e quando arranhamos alguém, eventualmente, podem vir a acontecer problemas na visão. Somos boa companhia para as pessoas idosas. Não gostamos de ser carregados no colo.

Dois elefantes trabalhadores apareceram puxando uma carreta que transportava uma árvore, com seus galhos apinhados de macaquinhos.  Um elefante representava o que salvara centenas de crianças, abrindo um rombo na lona do circo incendiado, em Niterói-RJ, em 1963, e outro foi o que deu alarme da chegada da onda tsunami, no litoral da Indonésia, em dezembro de 2004. Sem a árvore, os micos não poderiam participar do desfile. Desde filhote eles aprendem com os pais que, no chão, serão alvo fácil dos predadores. Vivem em grupos muito unidos. Certa vez, no Rio de Janeiro, um filhote, seguindo os maiores, pulou da árvore para a varanda, para pegar um pedaço de banana, mas, no regresso ao galho, caiu na calçada da rua, de uma altura de sete metros. Na mesma hora, desceu todo o bando, emitindo sons ameaçadores, até que a mãe chegou, colocou o filhote nas costas e subiu de volta à árvore.

Os macacos são intensamente utilizados como cobaias nos experimentos científicos em pesquisas de novos medicamentos. Na Amazônia, os agentes de saúde pública, em seu trabalho de monitoramento, penduram, no alto das árvores, macaquinhos presos em gaiola, para serem picados por mosquitos transmissores de doenças tropicais.

Encerrando a primeira parte do desfile terrestre, apareceu o casal garboso de pinguins-imperador, felizes por terem sido escolhidos símbolos da ONG Guarda Compartilhada.

O desfile aéreo começou com a pomba da paz, que preteriu a águia orgulhosa, emblema dos grandes impérios, desde a antiguidade. A revoada de pombos faz parte de muitas festividades ao ar livre.  A pomba branca simboliza o Espírito Santo e, em 11 de julho de 2012, uma delas emocionou milhares de pessoas, na Catedral, ao pousar sobre o caixão de Dom Eugênio Salles, o Cardeal do Rio.

Seguiram-se, aos pares, as aves monogâmicas, a começar pelo albatroz errante, ave marinha que pode viver até 50 anos, e cujo ovo é incubado pelo casal. Dentre outros, desfilaram casais de tucanos, de araras, de pombos-correio e de garças canadenses.

Quando apareceu o joão-de-barro, o locutor falou alto, como se estivesse discursando diante dos governantes brasileiros: toda criança tem direito a uma casa, a um abrigo seguro. Seguiram-se os pássaros que frequentam os jardins tranquilos, principalmente os dos mosteiros, e cujos trinados ajudam a meditação dos frades e monjas. Aqui no Brasil são os canários da terra, canários belgas, curiós, pintassilgos, trinca ferros, cardeais, coleirinhas, sabiás laranjeiras, azulões. Os colibris não cantam, mas, pairando junto às flores, remetem nosso pensamento a Deus.

No intervalo do desfile apresentaram-se Corais de crianças brasileiras, e outro, da África Equatorial, em excursão pela Europa. Chegou a vez dos seres aquáticos, nadando em um comprido aquário. Começou pelo cardume que havia participado da pesca milagrosa, na Galileia, em seguida, os dois peixes do milagre da multiplicação, e um punhado de outros que, no início do século XIII, vieram até à superfície da água ouvir o sermão de Santo Antônio de Lisboa.

Apareceram os golfinhos amestrados, que fazem a alegria das crianças e adultos nos parques aquáticos. Seguiu-se o peixe-palhaço, pai do filhote Nemo, que fugira de sua casa entre as anêmonas, e fez seu pai enfrentar mil desafios até encontrá-lo, só no final do filme de Walt Disney o genial produtor de cinema que conseguia agradar crianças e adultos, sem arranhar a ética e a moral . Apareceram as focas com uma faixa de protesto contra a matança de mais de trezentas mil, a cada ano, no Canadá, na Groenlândia e na Rússia, para os humanos lhes retirarem a pele, valiosa no mercado. O desfile encerrou-se com a baleia, representando milhares de outras tantas sacrificadas, no esforço de recuperar seus respectivos filhotes, que os caçadores, até o século XIX, capturavam e arrastavam para as águas rasas do litoral, onde elas não podiam se valer de sua força superior à de todos eles juntos. Naquele século, as baleias foram dizimadas pelos homens, que utilizavam seu óleo para a iluminação, e sua carne, para alimento. Hoje, sua caça está proibida, em quase todos os mares do planeta.

Terminada a apresentação, todos queriam saber quando aconteceria o próximo filme, queriam relatar suas experiências de vida, e saber quais os critérios para a seleção dos animais atores. São Felipe Neri (1515-1595), sempre sorrindo, foi escalado para definir o roteiro. Sentiu-se como se estivera no século XVI, quando ensinava Catecismo às crianças abandonadas nas ruas de Roma.

 Devemos respeitar os animais, eles são naturalmente destinados ao bem comum da humanidade, hoje e no futuro. O domínio dado pelo Criador ao homem sobre os seres vivos não é absoluto, pois exige um respeito pela integridade da criação. É contrário à dignidade humana fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar suas vidas. É legitimo ao homem servir-se dos animais para a alimentação, e para ajudá-lo nos seus trabalhos. Os experimentos médico-científicos são práticas moralmente aceitáveis se contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.

E São Felipe Neri concluiu: pesquisem no Evangelho, nos livros sobre a vida dos santos, nos jornais e na Internet os relatos de casos exemplares em que o homem e os animais se ajudaram mutuamente. Algum dia, um diretor montará um filme relatando ser possível aos seres humanos viverem em harmonia com as criaturas de Deus.

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Milton Xavier de Carvalho Filho é observador do JIC e professor universitário aposentado. Tem quatro netos que amam: ouvir, ler e também escrever histórias. Quer se conhecido por Vovô Milton.

Um comentário:

  1. Olá Isabela, boa tarde.

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