outubro 31, 2014

O quatorze


Dois mil e quatorze está me fazendo sentir os problemas da aridez climática. 

De manhã bem cedo, cuido das aves do céu e das plantas da terra colocando abacates maduros às metades no estaleirinho improvisado sobre a casa da máquina que enche a piscina. Uso a técnica do gotejamento para as plantinhas mais frágeis.

A piscina não enche mais, pois a chuva não cai e o racionamento d’água existe. 

Os pássaros do céu, aqueles que não plantam, não colhem, nem represam águas, porém tem auxiliares de bom coração vem beber da piscina rasa e algumas vezes caem nela, se debatem e morrem. Se estou por perto, ouço os pios desesperados da família deles, e os salvo. 

Sensibilizada com aquele drama familiar, despejo meio litro d’água no chão de cimento, e ainda me escondo para observar a disputa: quem virá beber primeiro, quem vai se achar o único com direito a molhar o bico naquela poça, quem terá dificuldades devido ao seu bicão...

O leitor urbano desconhecendo ou desacostumado dessas coisas quase rurais poderá estranhar meu trabalho. Respondo sem precisar exagerar: _ esses pássaros me avisam das mudanças do tempo; são meus despertadores de manhã; alegram meu dia; à tardinha avisam que é hora do descanso etc e tal.

Quando é época de fartura no pomar oferto-lhes uma variedade de frutas, que eles mesmos derrubaram e ali permaneço por alguns minutos me divertindo com a falta de lógica: _ sanhaços azuis apreciam bananas bem amarelinhas; sabiás amarronzados bicam a polpa verde do abacate; maracanãs verdinhos, ariscos como eles só, não descem... preferem negras jabuticabas no pé, e chegam em bando. 

E "num belo dia de noite"...

Caiu uma chuva pouca e fininha, depois de três dias de muita ameaça, com nuvens cinzentas vencendo a secura do ar.

Passados outros três dias, quando fui ver meu quintal, havia flores no jambeiro; acerolas miúdas; pitangas verdes; uvitas em cachos; e uma arvorezinha carregada de frutas de um amarelo claro, que não reconheci. Era gabiroba.

Todas agradecidas, frutificando com o fim da estiagem!

Meu coração regozijou-se!

Achei que nunca mais haveria de ver meu quintal povoado e enfeitado assim.

Também tive uma certeza: preciso fazer muito mais pela natureza à minha volta. Nem que seja contar para os leitores como é difícil acostumar com escassez de água.




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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