Por Milton Xavier de Carvalho Filho
Todo
menino ou menina gosta de animais, e quer ter um para brincar a qualquer hora,
principalmente os cães, pequenos, médios ou grandes. Se a moradia tiver
quintal, o gosto se estende aos coelhos, galinhas e aos passarinhos, estes
quando atraídos por alimento colocado sempre no mesmo lugar que lhes dê
segurança contra súbitas investidas dos humanos. Há mais de um século, em todo
o mundo, o passeio no jardim zoológico é excelente programa de final de semana
para crianças e adultos.
Diante
dos reclamos insistentes pela falta de animais no Jardim da Infância Celestial, (Folha Campanhense de 3/7/2014)
São Francisco planejou uma sessão de cinema onde, aos domingos à tarde é
exibido o desfile de animais domésticos e selvagens, cada qual com sua história
de vida, explicada pelos maiores aos menores. Parada exige banda de música, e
esta é integrada por jovens que escaparam das más companhias graças ao esforço
de algum maestro abnegado, em alguma cidade esquecida dos donos do poder
político. Dentre uma centena de outras agremiações musicais constituídas por
jovens brasileiros, temos a Orquestra dos Meninos, da região do
Agreste, em Pernambuco (cuja história está relatada no filme de mesmo nome), a orquestra
juvenil de violoncelistas da Amazônia, sediada em Belém do Pará,
a Bachiana
Filarmônica SESI-SP, fundada pelo maestro João Carlos Martins,
integrada por adolescentes, a Fanfarra do Irmão Paulo, em
Campanha-MG.
Uma
parelha de cavalos faz a abertura do desfile, um, o de São Jorge, outro, o da Santa
Joana D’Arc, padroeira da França, que venceu os ingleses em 1429. Seguem-se
três jumentinhos, o que conduziu Nossa Senhora na visita à prima Isabel, outro,
o da fuga para o Egito e o da entrada em Jerusalém, na véspera da Páscoa. A
vaca do presépio, imponente, precede o rebanho de ovelhas que representam
milhares de outras, sacrificadas para agradar a Deus, nos tempos do Antigo
Testamento.
O
grupo dos cães é o mais numeroso e diversificado. Um vistoso São Bernardo representa todos os que
salvaram centenas de pessoas soterradas por deslizamentos de neve nos Alpes
europeus. Os cães dos esquimós ─ do Canadá, do Alaska e da Sibéria ─ puxam um
trenó cheio de crianças (nenhum outro cão tem trabalho mais pesado do que o
deles). Seguem-se os cães-guia dos deficientes visuais, os farejadores de
pessoas sob escombros causados por desabamentos, os farejadores de pessoas
sequestradas, os guardiães das casas, os guardadores de rebanho, e os que só
sabem brincar com criança. A faixa como os dizeres fidelidade e obediência ao dono
parecia encerrar a passagem do pelotão canino quando, devagar, apareceu,
atrasado, um vira-latas provocando risos, até que o locutor explicou: a cadela Catita, em 1999, na cidade de Campos-RJ,
atacou um pitbull que mordia o rosto do menino Lucas. Catita estava presa na
coleira, amamentando seus filhotes, no quintal vizinho, quando ouviu os gritos
do menino rebentou a corrente, pulou o muro, atacou o dorso do pitbull, que
soltou a vítima. Catita apareceu na primeira página dos jornais.
Seguiu-se
um grupo menor de cães de aparência doentia, o que aborreceu a plateia. O
apresentador esclareceu que eles representavam milhares de animais sacrificados
para o progresso da ciência médica. Os utilizados no Instituto Pasteur, em
Paris, no final do século XIX, até que os cientistas conseguissem produzir a
vacina antirrábica, em 1885, salvadora de milhares e milhares de pessoas em
todo o mundo. E os cães que serviram de cobaia nos hospitais, para que os
médicos experimentassem novas técnicas de cirurgia cardíaca.
No
final, mais três cães, o companheiro de São Roque, o que acompanhava Dom Bosco
no caminho de regresso à sua casa, e o cão Gellert, cuja estória emocionante,
acontecida no século XII, no País de Galles, consta dos livros didáticos de
Inglês essencial.
Era tempo de dar chance aos outros bichos. Os
gatos passaram silenciosos, pisando macio, de olho em algum rato que se
atrevesse a cruzar o caminho. Uma faixa explicava: nossos pelos provocam alergia respiratória, e quando arranhamos alguém,
eventualmente, podem vir a acontecer problemas na visão. Somos boa companhia
para as pessoas idosas. Não gostamos de ser carregados no colo.
Dois
elefantes trabalhadores apareceram puxando uma carreta que transportava uma
árvore, com seus galhos apinhados de macaquinhos. Um elefante representava o que salvara
centenas de crianças, abrindo um rombo na lona do circo incendiado, em
Niterói-RJ, em 1963, e outro foi o que deu alarme da chegada da onda tsunami,
no litoral da Indonésia, em dezembro de 2004. Sem a
árvore, os micos não poderiam participar do desfile. Desde filhote eles
aprendem com os pais que, no chão, serão alvo fácil dos predadores. Vivem em
grupos muito unidos. Certa vez, no Rio de Janeiro, um filhote, seguindo os
maiores, pulou da árvore para a varanda, para pegar um pedaço de banana, mas,
no regresso ao galho, caiu na calçada da rua, de uma altura de sete metros. Na
mesma hora, desceu todo o bando, emitindo sons ameaçadores, até que a mãe
chegou, colocou o filhote nas costas e subiu de volta à árvore.
Os
macacos são intensamente utilizados como cobaias nos experimentos científicos
em pesquisas de novos medicamentos. Na Amazônia, os agentes de saúde pública,
em seu trabalho de monitoramento, penduram, no alto das árvores, macaquinhos
presos em gaiola, para serem picados por mosquitos transmissores de doenças
tropicais.
Encerrando
a primeira parte do desfile terrestre, apareceu o casal garboso de
pinguins-imperador, felizes por terem sido escolhidos símbolos da ONG Guarda
Compartilhada.
O
desfile aéreo começou com a pomba da paz, que preteriu a águia orgulhosa,
emblema dos grandes impérios, desde a antiguidade. A revoada de pombos faz
parte de muitas festividades ao ar livre.
A pomba branca simboliza o Espírito Santo e, em 11 de julho de 2012, uma
delas emocionou milhares de pessoas, na Catedral, ao pousar sobre o caixão de
Dom Eugênio Salles, o Cardeal do Rio.
Seguiram-se,
aos pares, as aves monogâmicas, a começar pelo albatroz errante, ave marinha
que pode viver até 50 anos, e cujo ovo é incubado pelo casal. Dentre outros,
desfilaram casais de tucanos, de araras, de pombos-correio e de garças
canadenses.
Quando
apareceu o joão-de-barro, o locutor falou alto, como se estivesse discursando
diante dos governantes brasileiros: toda criança tem direito a uma casa, a um
abrigo seguro. Seguiram-se os pássaros que frequentam os jardins
tranquilos, principalmente os dos mosteiros, e cujos trinados ajudam a
meditação dos frades e monjas. Aqui no Brasil são os canários da terra,
canários belgas, curiós, pintassilgos, trinca ferros, cardeais, coleirinhas,
sabiás laranjeiras, azulões. Os colibris não cantam, mas, pairando junto às
flores, remetem nosso pensamento a Deus.
No
intervalo do desfile apresentaram-se Corais de crianças brasileiras, e outro,
da África Equatorial, em excursão pela Europa. Chegou a vez dos seres
aquáticos, nadando em um comprido aquário. Começou pelo cardume que havia
participado da pesca milagrosa, na Galileia, em seguida, os dois peixes do
milagre da multiplicação, e um punhado de outros que, no início do século XIII,
vieram até à superfície da água ouvir o sermão de Santo Antônio de Lisboa.
Apareceram
os golfinhos amestrados, que fazem a alegria das crianças e adultos nos parques
aquáticos. Seguiu-se o peixe-palhaço, pai do filhote Nemo, que fugira de sua casa entre as anêmonas, e fez seu pai
enfrentar mil desafios até encontrá-lo, só no final do filme de Walt Disney ─ o
genial produtor de cinema que conseguia agradar crianças e adultos, sem
arranhar a ética e a moral ─. Apareceram
as focas com uma faixa de protesto contra a matança de mais de trezentas mil, a
cada ano, no Canadá, na Groenlândia e na Rússia, para os humanos lhes retirarem
a pele, valiosa no mercado. O desfile encerrou-se com a baleia, representando
milhares de outras tantas sacrificadas, no esforço de recuperar seus
respectivos filhotes, que os caçadores, até o século XIX, capturavam e
arrastavam para as águas rasas do litoral, onde elas não podiam se valer de sua
força superior à de todos eles juntos. Naquele século, as baleias foram
dizimadas pelos homens, que utilizavam seu óleo para a iluminação, e sua carne,
para alimento. Hoje, sua caça está proibida, em quase todos os mares do
planeta.
Terminada
a apresentação, todos queriam saber quando aconteceria o próximo filme, queriam
relatar suas experiências de vida, e saber quais os critérios para a seleção
dos animais atores. São Felipe Neri (1515-1595), sempre sorrindo, foi escalado
para definir o roteiro. Sentiu-se como se estivera no século XVI, quando ensinava
Catecismo às crianças abandonadas nas ruas de Roma.
Devemos respeitar os animais, eles são
naturalmente destinados ao bem comum da humanidade, hoje e no futuro. O domínio
dado pelo Criador ao homem sobre os seres vivos não é absoluto, pois exige um
respeito pela integridade da criação. É contrário à dignidade humana fazer os
animais sofrerem inutilmente e desperdiçar suas vidas. É legitimo ao homem servir-se dos
animais para a alimentação, e para ajudá-lo nos seus trabalhos. Os experimentos
médico-científicos são práticas moralmente aceitáveis se contribuírem para
curar ou salvar vidas humanas.
E São Felipe Neri concluiu: pesquisem no Evangelho,
nos livros sobre a vida dos santos, nos jornais e na Internet os relatos de casos
exemplares em que o homem e os animais se ajudaram mutuamente. Algum dia, um
diretor montará um filme relatando ser possível aos seres humanos viverem em
harmonia com as criaturas de Deus.
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Milton Xavier de Carvalho Filho é observador do JIC e professor universitário aposentado. Tem quatro netos que amam: ouvir, ler e também escrever histórias. Quer se conhecido por Vovô Milton.