fevereiro 19, 2016

Nada de novo

Por Elisabeth Santos

Ilustração da artista Beth.

O sujeito pulou da cama cedo, bebeu um golo de café amanhecido, pegou o pedaço de pão seco, e sem ao menos trocar a roupa do corpo saiu para a rua.

Reconhecendo os assentadores das telhas empoleirados no telhado do vizinho comentou em alta voz o jogo do campeonato anunciado para logo mais:

_ Tenho noventa minutos pra vencê ‘ocês hoje - provocou ele.

Os lá de cima rebateram:

_ Nosso goleiro é bão, e ‘ceis num vão balançá rede não sinhô.

Gargalhando o Nêgo continuou seu caminho descendo a praça comprida. Uma matilha de rua cercou-o latindo alvoroçada, e ele danou a distribuir ponta pé ao seu redor tentando atingi-los. Foi só um dos cães latir de dor, e a cachorrada moradora na vizinhança lhe fez coro, furiosa. Se estivessem soltos, certamente ia haver confusão ali.

E o sujeito continuou seu caminho para a rodoviária. Tinha um passe de ônibus para voltar ao município de origem.

Antes de embarcar perguntou ao motorista se iam seguir viagem pela estrada de terra. Ao que ele respondeu que não, por ter chovido à noite e ter inundado um trecho, Nêgo nem entrou no ônibus.

Embrenhou-se num pasto abaixando-se para passar na cerca de arame farpado, e tornou a ser o andarilho que sempre foi. 

Rasgou o passe da condução. Voltou a pé!




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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