agosto 24, 2018

Realidade e sonho llI

Por Elisabeth Santos




As pessoas estavam chegando de longe para inesperada visita familiar. Era muita gente entrando, e cumprimentando os muitos que ali estavam. A criança ali perdida, só enxergando pernas indo, pernas voltando na sala de jantar assustou-se por não entender nada.

Um dos jovens tentava adivinhar o motivo daquela caravana de visitantes bem no horário de ser colocado o almoço na mesa, e chegou a preocupar-se com a demora da empregada em trazer a comida. O dono da casa, enxergando pouco devido à idade, distinguia os familiares que há tempos não via através de gestos e atitudes que permaneceram em sua memória:

Tio Juca é aquele que abanou o pó da cadeira com seu chapéu, antes de sentar-se.

Sinhazinha deve ser a que reparou a mesa de toalha alvíssima antes mesmo dos cumprimentos.

Quem fez um muxoxo, só poderia ser a megera da tia avó da turma.

As crianças correndo de cá pra lá... eram de uns que ali estavam, e de outros que não vieram. Certamente primos.

E chegado o momento, elas mesmas ofereciam petiscos de pepino picadinho com fatias de limão. Algumas deixavam escorregar do prato aquela salada, e eram ajudadas pelos maiorzinhos.

Todos aguardavam o almoço, que não vinha da cozinha silenciosa, e sem cheiro que pudesse despertar apetites... ou só davam a impressão, que algo haveria de acontecer em seguida?

Mas afinal, pergunto-me o porquê de tanta roupa de festa branquíssima num dia comum. Perguntaram-me agora por que alguém devolvia aos reais proprietários as joias retiradas do cofre aberto na estante do corredor.

E aquele silêncio o tempo todo que durou a visita, era impressionante!

Assim como apareceram, sumiram...

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Dia seguinte ouço no rádio notícias da festa do Bonfim iniciando naquele janeiro calorento de Salvador: a multidão vestida de branco percorrendo a pé os oito quilômetros de distância do Largo da Conceição ao Largo do Bonfim; as carroças enfeitadas conduzindo tanto os mais novos quanto os mais velhos; a lavagem da escadaria da igreja católica pelo povo do Candomblé, com muita água de cheiro; uns indo para agradecer, outros para pedir Paz, Saúde e Prosperidade, quando não vinham para os dois atos de Fé.

E a multidão não desapareceu... apenas misturou-se a todas as outras cores, sons, cheiros, crenças, num corpo a corpo de suor e ritmos pagãos adentrando noite e madrugada sem fim.         




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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