Meu pai ouvia a Hora do Brasil toda noite a partir das
dezenove horas com o ouvido encostado no rádio. Depois ainda seguia o Repórter
Esso Alô Alô mantendo-se bem informado de atos políticos e notícias em geral,
todas do interesse do seu trabalho.
Eram os momentos em que seus filhos tinham de ficar
quietinhos. Caso os menores não quisessem obedecer à lei do silêncio papai
ficava muito bravo, pois não conseguia distinguir os sons que saiam daquela
caixa preta, cuja dianteira assemelhava-se a um caminhão e seus faróis; cuja
parte traseira de papelão bem grosso, os orifícios transpiratórios, deixavam
escapar luz das válvulas e um cheirinho de plástico esquentado. De vez em
quando, o ouvinte dava uns tapinhas na lateral do aparelho na tentativa de livrá-lo
de alguma indesejável interferência.
Ao centro da mesa de dezessete lugares, o que
significaria uma tigela com água ao centro? Dos janelões abertos vinham voando besouros
atraídos pela luz da lâmpada. Fascinados pelo reflexo dela n’água... caiam ali
onde se punham a nadar sem conseguir sair. Se algum ia atingindo a borda da
vasilha recebia um peteleco e voltava à competição natatória. Torcedores
daquela competição, com olhares inocentes, queriam a vitória do verde, do ocre,
do marrom ou do pretão.
Quem ali se encontrava, com caderno de dever de casa
aberto, reclamava de eventuais respingos.
Mamãe, de ouvidos atentos a tudo que acontecia naquela
sala, tinha mãos e olhos em seu bordado, na combinação de cores das linhas, nos
detalhes do risco a seguir, e em sua cesta de costura. Este era o momento dela
repousar as pernas por recomendação médica.
O ritual do horário de dormir tinha início às oito
badaladas do relógio. Mamãe abria a cristaleira, retirava a lata de guloseimas
e dava uma para cada um. Em seguida era a escovação dos dentes e cama! Havia um
revezamento na contação de histórias pelo papai, quando não estava viajando, e
da reza do terço pela mamãe, quando o sono estava demorando a chegar para a
maioria.
Em nossas lembranças infantis, podíamos escolher em
que terço haveríamos de rezar. Estes se embaraçavam num porta - joias, e eram
de diferentes materiais, cores e comprimentos. Vindos de lugares diversos,
oferecidos por pessoas queridas, cada qual trazia lembranças...
Só sei que o terço feito de caroços de azeitonas
ninguém escolhia por ser o maior e passar a ideia da reza ser mais demorada.
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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