setembro 26, 2014

Tino comercial

Quadro naif da Beth.

Dona Tina descobriu ter certo tino comercial quando precisou comprar novos móveis para a casa. Até então seus evidentes talentos eram para criar filhos, cozinhar refeições deliciosas, manter em ordem a casa e coisas assim. Com o crescimento da família aquele lar precisava espichar a mesa, aumentar o número de cadeiras à sua volta, trocar duas poltronas por um sofá de seis lugares em frente à televisão e outras coisinhas mais. Uma por vez, pois o orçamento era apertado, Dona Tina chamou o comprador de móveis usados a fazer uma avaliação. Tinha em mente vender as peças que possuía para dar entrada em outras mais adequadas.

O comerciante em questão chegou à tardinha, antes da novela, para não atrapalhar. Mesmo assim já estava assentada a matriarca da família numa das poltronas da sala, assistindo missa na TV.

Seu Abraão olhou aqueles móveis por todos os lados, dir-se-ia dos pés à cabeça, menos onde estava sentada a vovó. Por mais que examinasse então, nada viu de desgaste comprometedor passando então para a sala de jantar.

Lá estavam mesa e cadeiras reluzentes, lustradas que foram a pouco com um vidro de óleo de peroba. E lá estava Seu Abraão, fazendo toque-toque com os nós dos dedos da mão fechada sobre o tampo da mesa, pondo força no encosto de cada cadeira para testar possível bambeza... e nada. Só a cadeira do caçula fazendo dever de casa ficou sem o exame aguçado do provável comprador/revendedor.

_Pago-lhe cem no conjunto dos móveis- foi ofertando seu Abraão.

_Cento e cinquenta, regateou Dona Tina.

_Cento e dez!

_Cento e vinte e cinco!

_Então cento e vinte, e nem um real a mais!

_Aceito!

E a sorte dela foi que ele entregou-lhe o dinheiro e disse que ia mandar a caminhonete buscar os móveis no dia seguinte bem cedo.

A vovó levantou-se então do sofá, e o caçula da família foi direto do “dever de casa” pro vídeo game. Seria por estarem camuflando algum estrago?

Ninguém foi lá saber, pois não se interrompe uma idosa na missa, e nem se tira um estudante da frente dos livros.

Deve ter sido o tino comercial da Dona Tina a conversar com seus botões:

_Não enganei ninguém. Móvel usado é móvel desgastado. Quem quer novinho vá à loja comprar, que é o que farei agora.





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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

setembro 19, 2014

O direito do direito

Quadro naif da Beth.

Daqui a pouco estarão inventando mais esta: o direito do direito.

Não bastou legislar, criar o código penal, a jurisprudência. Há leis para tudo e estão criando a cada dia mais e mais leis. Mesmo não sendo válido alegar-se desconhecimento delas, o que vemos é infração, desrespeito, abuso de toda espécie.

É para se usar o cartão de débito/crédito, mas existem casas comerciais que não dão desconto para compra à vista com o cartão alegando terem despesa de 5% com esta venda. O código de defesa do consumidor diz que cartão tem o mesmo desconto, mas quem fiscaliza? O consumidor até que vigia. Há denúncias nas reportagens da mídia frequentemente. E daí? Parece infiltração de água: repara-se aqui, reaparece ali. Há muito tempo se ouve falar de impunidade... e nada. Nada de sanar-se o mal.

Resolvi ser repórter por um dia e perguntar para meus conhecidos se achavam que estávamos necessitando de nova Constituição. A maioria disse não.

Perguntei por que, e eles responderam que nossa constituição é mais extensa que a do país mais poderoso do mundo. Só que lá resolve e aqui a cidadania continua sendo de papel.

Vale a comparação com a brincadeira infantil:

_ Cadê o toucinho que ‘tava aqui?

_ O gato comeu.

_ Cadê o gato?

_ Foi pro mato.

_ Cadê o mato?

_ Fogo queimou?

_ Cadê o fogo?

_ Água apagou!

_ Cadê a água?

_ O boi bebeu!

_ Cadê o boi?

_ Foi amassar trigo!

A brincadeira prossegue, sem nada esclarecer sobre: quem são os culpados pelo sumiço do toucinho, como e quando irão devolvê-lo aos seus legítimos donos.

O direito de reivindicar/reclamar já sabemos ter.

Queremos o direito de sermos ressarcidos.

Está dificil. Por que será?

_Cadê os meus, os seus, os nossos toucinhos, aliás, nossos direitos de consumidores?

_ Foram por aqui (norte), por ali (sul), para cá (leste), para lá (oeste)...

Ao certo mesmo ninguém sabe!



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

setembro 12, 2014

O ciumento

Quadro naif da Beth.

Comprei um cachorro para vigiar a casa. É um filhote de cocker. Todos da família gostaram muito.

Eu trabalhando o dia inteiro. O cachorro sendo tratado e crescendo ao lado da minha esposa e filhos. Tudo bem.

Um dia percebi que ele via TV sentado no sofá ao lado de minha Bela. Achei que era só aquele dia, mas não.

Noutro dia notei que o cachorro não queria fazer seu passeio diário comigo sozinho. Preferia passear se a “dona” dele fosse junto.

Certa vez chegando do trabalho, fui beijar minha esposa e o cachorro estava perto e grunhiu mostrando-me os dentes cerrados.

_Que é isto cara? Não se faça de engraçadinho comigo! – falei bravo dirigindo-me ao cachorro, e...

E foi aí que resolvi atentar a todas as atitudes do cão ultimamente. Constatei que ele tinha se apegado à Bela, não tolerando que eu me aproximasse muito. – só essa que me faltava!

Certa noite, muito a contragosto, quase fui dormir no sofá.

Analisem a situação:

Minha esposa não gostava de ser acordada antes do despertador tocar, por motivo algum. Ficava mal humorada para não dizer furiosa! O cachorro dormia em nosso quarto, pois ninguém conseguia fazê-lo ir dormir em outro cômodo qualquer, e muito menos em sua casinha.

O telefone tocou e a chamada era para “A Bela quase Adormecida” e eu trouxe o fone para que ela atendesse. Ao voltar da sala onde repus o telefone, deparei-me com a “Bela Já Adormecida” e o nosso cão dormindo no meu lugar.

E agora?

Dei-lhe uma cutucadinha e ele olhou para mim já mostrando os dentes, e logo em seguida fechou os olhos sonolentos.

Dei-lhe uma cutucada mais forte um pouco, ele abriu os olhos, rosnou e virou a cabeça para a Bela e para mim. Ela mexeu o braço... como se fosse ACORDAR. Apavorado peguei o travesseiro e fiz que ia pro sofá.

Ajeitei o travesseiro, deitei, mas não consegui tirar da cabeça que o cão com aquele olhar falou para mim:

“_Não vai conseguir tirar-me daqui sem acordá-la. E se você acordá-la vai levar a maior bronca e terá de dormir no sofá. kkkkk... ”

Tomei então a grande decisão da minha vida! Não poderia deixar as coisas seguirem o rumo que estavam indo. De jeito nenhum! Agarrei o travesseiro, levantei-me e fui direto para minha cama.


O cachorro dormiu entre nós dois.



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

setembro 05, 2014

Corcel versus Palio

Quadro naif da Beth.

O corcel 77, cor de tijolo, chapa preta, todo original e nos trinques saiu da garagem! Ali era sua vitrine. Os que passavam na rua a pé admiravam sua integridade física; os que passavam motorizados voltavam os olhares para a raridade que ele representava; os entendidos em carros antigos o elogiavam, e os jovens, mesmo achando aquele corcel majestoso... não queriam saber de dirigí-lo, estacioná-lo e muito menos lustrá-lo. Achavam o grandalhão complicado, e olha que em 1977 ele era considerado médio!

Foi então que seu proprietário resolveu trocar o Corcel num Pálio 1998 que pudesse ser dirigido, estacionado e lavado facilmente. O corcel mudou-se da garagem/vitrine para o estacionamento/ vitrine de carros usados de uma revenda. O Pálio tomou seu lugar.

Na primeira voltinha com o seminovo, foi possível detectar que suas portas abriam e fechavam com um barulho chocho. Precisava de borrachas novas.

Na primeira chuva o porta malas inundou. Foi para o funileiro que encontrou um orificiozinho. Ao começar a solda... na verdade era um buracão.

Na primeira ida para a roça, tinha mais poeira dentro do que fora do carro.

Melhor fazer uma revisão total. E lá se foi o Pálio para uma boa temporada de toques e retoques. Quase irreconhecível, fez a alegria dos jovens, que o mimaram por uns bons anos com: tapetes da hora, capas de estofamentos irados, volante esportivo, rodas de magnésio, aparelhagem de som, e outros demais acessórios.

Também no mundo automobilístico: Nada é perfeito!



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".