março 26, 2021

Revirar o mundo, pandemia e recomeço - parte III

 Por Elisabeth Santos


6372270 © Adam Borkowski | Dreamstime.com


TERCEIRA PARTE

O Tatu e o Trovador

Em noites claras, de lua cheia, sai o caçador em busca do Tatu, que não conseguindo dormir vagueia pelos campos. O Bicho Homem tem conhecimento que não deve se alimentar da carne do tatu por vários motivos, porem ouviu dizer de fonte ignota, pelo parente de um amigo que veio de outro canto do mundo, que aquela caça se transforma numa iguaria. Está lá o caçador à espreita do retorno da provável caça à sua casa, que é uma toca. Embora humilde residência, é lá que ele vive, reproduz e cria seus filhotes. Ele tem uma família! Além disso, tatus em geral são amigos dos humanos, pois se alimentam  de formigas e cupins mantendo o equilíbrio da natureza. Não ficam soltos por aí ouvindo  prosa mole de que o planeta Terra tem canto sendo que é redondo; ou tentando assassinar pessoas.

Voltando à historinha para crianças de oito a oitenta anos de vida...

Em “noite alta, céu risonho, quando a quietude é quase um sonho”, saem também namorados, e enamorados. Os primeiros são aqueles que adoram estar em boa companhia, e vão com seus pares, trocando juras de amor sob “o luar que cai sobre a mata, como chuva de prata irradiando esplendor”. E o segundo... ah o Segundo... “Eu sou o enamorado da vida, quero viver todas as suas horas, as que prendi na mão e as que nunca alcancei.” Este, o verdadeiro amante de tudo quando é natureza, sai também a “ouvir estrelas” sem se preocupar, que os outros possam dizer dele: “decerto perdestes o senso”. Ele sai em qualquer momento do dia ou da noite, a observar toda criatura, e percebe o desespero do tatu fugindo do predador.

 Desse imaterial, enxergado no material ou simplesmente matéria, o enamorado escreve.

Escreve para quem lê, para quem tem ouvidos para ouvir, ou interpreta aquilo que lhe é lido.

E o que diz o trovador desse tempo pós pandêmico, de plena consciência ecológica?

O trovador medieval fazia poesia, que transformava em cantiga, e se apresentava à nobreza da qual era parte.

Em algum lugar do futuro, este trovador, de coração e pensamento nobres, virou compositor seresteiro. Mais pra frente, sem nunca perder a nobreza da alma, não compôs mas escolheu cantar. Inspirando-se nos sons da natureza, saiu pelo arredondado mundo novo, e encontrando-se com o tatu bola, representante do reino animal, firmaram um tratado de paz. Os dois saíram juntos, cantando a beleza que é a vida:

- Pan de lerê de  pan - de - mi, muitas coisas vi por aqui...

- Ta de ta- tu, tatu do bem, be- be- re- rê, bem, bem...

- Mu de mu- tan, de pan de pi. Ti, ti, ti, tá li...

- Ão de tro – vão de chu- va cai. Va, va, va. Vai, vai...

- Có de có - có. Có- có- ri- có. Virou, tro, ló, ló...

- Esta ami- za- de de ti pra mim será sem- pre assim... 

- E a can- ti- le- na não teve fim.

- Fi, ri, ri, ri, fim, fim.


Em noite de lua cheia dizem por aí, que aparece o Lobisomem, ou pelo menos ouve-se seu uivar incessante e nostálgico. Pura lenda que faz tremer muita gente.    



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

março 19, 2021

Revirar o mundo, pandemia e recomeço - parte II

 Por Elisabeth Santos

11757108 © Melinda Nagy | Dreamstime.com

SEGUNDA PARTE

 Após uma noite que pareceu sem fim, o dia radiante surgiu. A luz assim, de tamanha intensidade, não me deixava enxergar nitidamente o que estaria à minha volta. Fechei de novo os olhos, aguardei uns instantes para abri-los bem devagar. Fui me enxergando aos poucos para ter certeza, que quem ali estava era eu mesma. Pareceu-me uma bobagem constatar, se o fato de estar ali sob a luz do sol seria uma verdade em minha vida. Sonho, pesadelo ou realidade? Ainda me encontrava num estado de transição. De onde para onde, eu ainda não estava certa...

 - Onde estive mesmo? Por que? Com quem? E muitas outras perguntas que qualquer criança responderia, pareciam questões de um vestibular para atingir um curso superior.

Será que era isto?

A garganta doía. Experimentei emitir um som qualquer e ouvi uma voz irreconhecível.

Assim mesmo comemorei o fato de ainda ter voz. Ouvir eu ouvia sim, só não pareciam sons externos. Ambientais. Era meu coração batendo, meus pulmões se enchendo e esvaziando de ar. Comecei a mexer os dedos, artelhos e... espirrei sem querer. O cheiro de álcool sempre me fazia espirrar. Então... juntei todas as sensações e celebrei a vida que voltava ao normal.

Por onde andei, se é que andei?

O que interessava a mim naquele momento, era sair correndo de encontro aos raios de sol que clarearam a casa, traziam vida. Queria, e precisava muito, novamente sentir na pele o calor daquela luz.

Custei a ficar de pé sozinha. Apareceram então: o Édi, a Alice com o Eduardo a me ajudarem a andar. O Trovador e o Tatu, estampavam a capa do livro escrito por mim, trazido por eles.

E foi depois dessa experiência toda, que percebi um mundo diferente. À minha volta o calor humano; as pessoas com quem nunca troquei um “bom dia”; a vegetação verde amarela; os pássaros nos fios dos postes, onde tem seus ninhos; os cães e seus tutores, e os abandonados também. Para tudo e todos uma atenção especial dos passantes nas ruas.

- Mudou o mundo ou mudei eu? As coisas estavam diferentes sim. Neste primeiro olhar, depois de um bom tempo no isolamento social, seria previsível o estranhamento...

e assim foi e é até hoje, tanto tempo passado:

- A máscara protegendo usuário e seu semelhante.

- A medição de temperatura automática e à distância, de cada pessoa que entra e sai no comércio, prestadoras de serviço, órgãos públicos, coletivos etc.

- A alimentação em restaurantes cumprindo o distanciamento individual estipulado.

- Bebedouros lacrados.

- Objetos de uso individuais, em lugares públicos, higienizados antes e depois da utilização.

- Cumprimentos com acenos de mão.

- Maior volume de conversas nas redes sociais.

- Encontros e reuniões pelo celular.

- Paciência, paciência e paciência...

Até a corrida ao incerto enriquecimento financeiro não desperta o mesmo, ou mais interesse que antes...

-Será?

E eu, cá na porta da sala de aula grito aos alunos que estiveram em recreio:

- Corre minha gente, hoje tem historinha!

É a vida que continua.

Vida nua.

Só Amor e Paz!



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

março 12, 2021

Revirar o mundo, pandemia e recomeço - parte I

 Por Elisabeth Santos

  


- No meio em que vivíamos tudo era muito tranquilo. Não havia pedras incontornáveis em nosso caminho, a água era boa até para navegar, as subidas e descidas faziam parte da paisagem natural. Foi lá que ouvíamos dizer: “a terra era daquelas que em se plantando, tudo dará.”

Aqui e ali se viveu de brisa e do ar do prado!

- No meio no qual vivemos hoje está tudo mudado. Até o tatu.

De toda a liberdade de ir e vir, poucas opções restaram. Assim mesmo vamos vivendo, agradecendo a vida.

Vivamos, portanto!

-Se nos é permitido ir à padaria, continuemos nossa rotina do pão nosso de cada dia, amém!

Compra-se o que se comprava antes para matar a saudade de fazer tudo sempre igual, num mundo revirado, nunca dantes navegado. Como se fosse possível, num átimo de tempo, voltar à realidade anteriormente conhecida, nem sempre devidamente agradecida.

-Pode-se ir ao mercado de alimentos perecíveis ou não. Líquidos, sólidos ou pastosos...

Produtos de higiene, limpeza, ou beleza... Utensílios diversos, para os diversos moradores de nossas casas.

-Para a pessoa circular fora da moradia é necessário proteger nariz e boca. Para o novo vírus não circular, torna-se imprescindível também a higienização das mãos e antebraços na ida e na volta de qualquer lugar.

É pelas mãos indo ao rosto, que o Corona Vírus chegará às vias respiratórias do então novo hospedeiro. Sem nem mesmo ser convidado, ou pelo menos perguntar:

-Vossa Senhoria quereria hospedar-me?

É por isso que nós humanos usamos máscaras. Assim protegidos podemos ir a tantos outros locais necessários, como banco, farmácia, médico ou dentista.

Tudo que pudermos solicitar à distância, e receber no domicílio, será útil.

Locais com muita gente aglomerada... nem passar perto! Ali a chance de esbarrar em alguém já contaminado é bem maior. E olha, que o hospedeiro do intrometido poderá não apresentar sintoma algum, viu? Silencioso e bem escondido, para ninguém o achar e querer acabar com sua raça, lá está ele... o COVID 19.

Chegadas as primeiras notícias da descoberta de um vírus com características perigosíssimas num mercado de Wuhran na China reuniram-se entendidos do assunto para estudar como seria o enfrentamento. Pelo poder e força daquele vírus reproduzir e se espalhar rapidamente, a chance de pegar o mundo todo seria grande. A palavra Pandemia deve ter caído ali como trovão seguido de raio queimando gargantas prestes a dizer: -Não! Isso não. Não estamos preparados para uma reviravolta mundial deste porte!

Engraçado... O mundo preparado belicamente, monetariamente, espacialmente e quaisquer outras coisas mentes... e lá vem um vírus a nos virar e revirar o mundo sem que tivéssemos nada pronto para encara-lo. Nem vacina, remédios, insumos, materiais descartáveis ou aparelhagem adequada, eletrônicos, profissionais treinados, hospitais especializados suficientes, leitos...

E COVID 19 andando a passos largos ia chegando lá, ali e acolá, e nós brasileiros cumprindo distanciamento social para dar tempo de nosso país preparar-se. Tudo muito difícil porque fornecedores não davam conta das entregas a tempo e a hora.  Estiveram servindo a população humana terráquea. E, sem saberem ao certo, serviram aos desumanos que tentavam, egoisticamente, levar alguma vantagem Pandêmica ou “Pandemônica”. Junto vieram interesses políticos nada corretos. Eleitoreiros mesmo.

 Cada qual puxando a brasa para sua sardinha, ou melhor dizendo, puxando votos para  seu partido. Os partidos? Repartidos e divididos em tasquinhas, se lascaram. A hora seria de solidariedade com o sofrimento alheio, mas muitos se alhearam.

De novo a população salvou o momento através do voluntariado. Era, é e será sempre o povo a dar o exemplo. Esse sim conhece o sofrimento de precisar, e não ter. As doações empresarias e de particulares foram chegando, os grupos organizados foram distribuindo.

Entidades filantrópicas, religiosas, dentre outras sérias, confortando aos desesperados, oferecendo a eles o que o vil metal não compra.

E como o isolamento social, além da máscara e do álcool gel, se fizeram necessários, não só o comércio, mas os artistas, as redes sociais, rádios, canais de TV se reinventaram.

Quase todos estão propondo alternativas para os serviços que ofereciam ou  apresentavam em tempos normais. Através das palavras de ordem: Fique em Casa; Nós Estamos Com Vocês; Serviços de Saúde a Postos; Colaborem Evitando Aglomeração, já espalham resultados positivos alcançados.

Um cantor fez um show musical em casa, colocou no Youtube, e timidamente foram  aparecendo outros. Como nós da Terra Brasilis amamos um estrangeirismo, adotamos o termo “Live” pronunciando Láivi. As bandas que se apresentaram gratuita e virtualmente mantinham distanciamento de dois metros de um componente para outro.

 Até patrocinador apareceu, de boa vontade, para custear gastos indispensáveis que algumas apresentações teriam de fazer por conta própria. A beleza da união de forças esteve e está em toda parte. A recompensa vem da satisfação em fazer o bem sem olhar a quem, literalmente. O artista não vê seu público, não escuta seus aplausos, mas sabe que ele ali está.

É de emocionar qualquer um. Até o Édi!

Não surpreendeu que certa banda, através de pesquisa, foi muito solicitada e a cidade ofereceu-lhe espaço, num estádio de futebol, para o dia “D”. A surpresa sim, veio através dos inúmeros comentários do público agradecido. Num cálculo aproximado, daria seis

vezes mais o que as arquibancadas comportariam!

Aquela frase “todo artista deve estar onde o povo está” é lembrada a todo instante:

estamos em casa, mas recebendo estímulo, solidariedade, e a alegre companhia das artes em geral, pelos meios de comunicação.

É nessas horas que vivenciamos as mil e uma utilidades dos avanços tecnológicos que, mesmo não nos levando em fuga pra lua num ônibus espacial, traz até onde estamos o conforto de compartilhar com amigos, olhos nos olhos, tantas emoções, que na verdade só aumentam.

Tempos de COVID 19: escolas fechadas, atividades esportivas suspensas, igrejas vazias, produção parada, saudades imensas... Empregos faltando, serviço sobrando, temores voltando, lembranças de guerras contadas pelas pessoas mais anosas.

Muita preocupação, briga sem razão, troca de acusação... total confusão.

Noticiário numérico em tempo real, do começo ao final, ou do fim aos confins.

Noticiário falso, tendencioso, investigativo maldoso da origem viral. Hipóteses levantadas, cientificamente sondadas, sendo declinadas. Sem tiro ou apito começa a corrida.

Todos querendo se livrar do mal, trabalhando incansavelmente, buscam para a problemática uma boa “solucionática”. - E o que há de? Cadê, minha gente?

Num espaço de tempo, que parece não passar, unem-se esforços, trocam-se conhecimentos, e experiências. Vai-se descartando caminhos percorridos que deram em nada, caçando alternativas, juntando indícios de quase acertos, todas as possibilidades enfim de cada cultura do planeta. E não é que começou uma união contra o inimigo comum?

Para o mundo revirado chega enfim o recomeço!

Já foi dito, em verso, prosa e outras maneiras: tudo o que foi não será de novo o que já foi um dia, mas podemos repetir com o mais alto grau de esperança... o que foi bom poderá vir a ser bom algum dia. Não precisará ser exatamente igual.

O processo pelo qual estamos passando nesse ano de 2020 nos ensina muito:

- Está sendo uma revirada forçada, e dolorosa sim. Quem sabe a desumanidade estaria se  alastrando num mundo em guerra por coisas valiosas, que não permanecem depois da morte? Uns precisando sobreviver com dignidade, muitos os explorando, expondo a  miséria humana por quimeras?

-  Ou seria uma reviravolta para o bem de um planeta agonizante? Se o Bem Feito estivesse acima do Mal Feito, ou se aquele estivesse em pé de igualdade com esse, precisaríamos desse alerta mundial?

- Ainda há tempo! É o alerta da natureza, que consegue produzir na adversidade. A Pandemia de hoje talvez seja só para nos lembrar que a cada ação mal direcionada, há de ser vista uma reação inesperada, que conseguirá parar a humanidade desesperada. - Esta seria a resposta do trovador.

- Andamos esquecendo nossos verdadeiros valores? E este andar estava sendo penoso e resolveu-se pela corrida rápida num caminho enxergado como fácil, sem prever consequências desastrosas?   

- A vida é o valor maior! Para cuidá-la há de se ter devoção. Preservar moral e ética.

Respeitar diferenças culturais, dirimir divergências possíveis, aceitar diferenças que opassar do tempo naturalmente traz, e tantos outros valores, que alguém poderá concluir que se quer uma perfeição impossível de acontecer.

- Teríamos de viver uns pelos outros, e não cultivar o extermínio, mas sim “combater o bom combate!” que já foi modelo de esperança no convívio pacífico almejado, e quiçá conquistado.

E o que nós temos de sobra é a esperança!




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".