Não tive o gosto de conhecer meus ‘vôs paterno e materno que faleceram jovens, por assim dizer. Avó, só conheci a materna. Tínhamos contato apenas viajando de Minas para São Paulo, e vice versa. Quem nunca experimentou férias na casa da vovó, deve imaginar a coisa melhor do mundo infantil. Já disseram que avós são mães com açúcar, e eu afirmo que sim. Nos idos de 1950 a 60 minhas inesquecíveis férias foram com ela. Até na hora de passar iodo no machucado da gente que caia da jabuticabeira, vovó Mariana achava um sopro para amenizar a dor. Ela era doce, mesmo quando ralhava. Aquele tanto de neto e neta correndo de lá para cá em seu jardim, quintal e porão, de vez em quando esbarrava em suas orquídeas, e merecia o pito. Muito raro de acontecer, mas no desajeito da pré-adolescência, quando desconhecemos a extensão de braços e pernas, aconteceu sim.
Ir à casa da vovó, acompanhando mamãe numa
visita de fim de semana só para matar saudades, era um importante
acontecimento. Eu curtia desde o momento de arrumar mala, acordar às quatro
horas da manhã a pegar o trem de ferro, a viagem todinha pela serra da
Mantiqueira, e... (suspense) a chegada à estação donde tomávamos lugar numa
charrete e mamãe coordenava: - Rua Cinco, passando pelo centro, por favor.
Já existia táxi com cavalos dentro do
motor a gasolina, mas criança que eu era, preferia o bicho de carne e osso a
puxar minha condução. Acho que, naquele instante, por poucos minutos me
identificava com aquele personagem ilustrando livro infantil, numa montaria, ou
carruagem. Era de uma emoção vibrante jamais esquecida, percorrer os extensos
quarteirões até o destino certo.
Tocando a campainha, a porta se abria num
clique.
Era minha querida vovó aparecendo no
alto da escada de entrada, que simplesmente puxando um barbante, destrancava a
porta lá embaixo. O truque estava no barbante que acompanhava o corrimão, e
acionava o trinco a que estava amarrado. Como esquecer a magia desse instante?
As conversas de mãe e filha eram
intermináveis, e eu ia direto ver a Benedita a cozinhar o almoço, arrumar a
mesa, e ajudá-la a carregar mala e frasqueira para nosso quarto.
Sempre levávamos ovos caipiras, queijos e
doces da roça para Cruzeiro, que com ares de cidade grande já os tinha poucos a
oferecer à população. Em troca trazíamos para nossa casa em Campanha roupas
compradas prontas, enxoval e até sapatos.
Vovó era muito católica e tinha um
terço que rezava com os netos todas as noites, quando eles já estavam em suas
camas para dormir. Se, ao término, algum insone continuava acordado puxando
prosa com um(a) primo(a), ela voltava com o terço. Depois do segundo, antes que
completássemos o rosário, quem não havia pego no sono fingia dormir.
Tínhamos carinho e respeito por ela por
todo o tempo que convivemos, mas não deixávamos de lado as traquinices e ‘vó
Mariana parecia entender isto muito bem. Foram quarenta e três netos e netas a
passarem pelo colo dela ao longo dos anos!
Para o meu enxoval pedi-lhe de
presente, que fizesse uma toalha de crochê para meu novo lar. Passadas cinquenta
primaveras cá está a toalha guardada com muito amor. Só a utilizei em ocasião
especial como reunião de família e alardeava: -Vovó teceu para mim.
Quanta saudade!
Ela quem me ensinou a fazer o doce
denominado Miscelânea, depois de uma reunião de família, quando sobrou uma
tigelona de salada de frutas. Melhor explicando: -Minha mãe já havia morrido.
Fui administradora da casa por uns meses. Não sabendo o que fazer com aquela
sobremesa meio murcha, muito aguada, e ainda assim boa, perguntei à vovó
Mariana como poderia aproveitar aquilo. E ela, criada em fazenda com pomar, e
muitos irmãos ávidos por doces foi para a cozinha comigo. Juntas calculamos o
açúcar cristal proporcional às frutas, despejamos num tacho de cobre e nos
revezamos na colher de pau até encorpar.
- Que delícia!
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