janeiro 08, 2021

Juro que vi e vivi

Por Elisabeth Santos

Não tive o gosto de conhecer meus ‘vôs paterno e materno que faleceram jovens, por assim dizer. Avó, só conheci a materna. Tínhamos contato apenas viajando de Minas para São Paulo, e vice versa. Quem nunca experimentou férias na casa da vovó, deve imaginar a coisa melhor do mundo infantil. Já disseram que avós são mães com açúcar, e eu afirmo que sim. Nos idos de 1950 a 60 minhas inesquecíveis férias foram com ela. Até na hora de passar iodo no machucado da gente que caia da jabuticabeira, vovó Mariana achava um sopro para amenizar a dor. Ela era doce, mesmo quando ralhava. Aquele tanto de neto e neta correndo de lá para cá em seu jardim, quintal e porão, de vez em quando esbarrava em suas orquídeas, e merecia o pito. Muito raro de acontecer, mas no desajeito da pré-adolescência, quando desconhecemos a extensão de braços e pernas, aconteceu sim.

 Ir à casa da vovó, acompanhando mamãe numa visita de fim de semana só para matar saudades, era um importante acontecimento. Eu curtia desde o momento de arrumar mala, acordar às quatro horas da manhã a pegar o trem de ferro, a viagem todinha pela serra da Mantiqueira, e... (suspense) a chegada à estação donde tomávamos lugar numa charrete e mamãe coordenava: - Rua Cinco, passando pelo centro, por favor.

Já existia táxi com cavalos dentro do motor a gasolina, mas criança que eu era, preferia o bicho de carne e osso a puxar minha condução. Acho que, naquele instante, por poucos minutos me identificava com aquele personagem ilustrando livro infantil, numa montaria, ou carruagem. Era de uma emoção vibrante jamais esquecida, percorrer os extensos quarteirões até o destino certo.

 Tocando a campainha, a porta se abria num clique.

Era minha querida vovó aparecendo no alto da escada de entrada, que simplesmente puxando um barbante, destrancava a porta lá embaixo. O truque estava no barbante que acompanhava o corrimão, e acionava o trinco a que estava amarrado. Como esquecer a magia desse instante?

As conversas de mãe e filha eram intermináveis, e eu ia direto ver a Benedita a cozinhar o almoço, arrumar a mesa, e ajudá-la a carregar mala e frasqueira para nosso quarto.

 Sempre levávamos ovos caipiras, queijos e doces da roça para Cruzeiro, que com ares de cidade grande já os tinha poucos a oferecer à população. Em troca trazíamos para nossa casa em Campanha roupas compradas prontas, enxoval e até sapatos.

Vovó era muito católica e tinha um terço que rezava com os netos todas as noites, quando eles já estavam em suas camas para dormir. Se, ao término, algum insone continuava acordado puxando prosa com um(a) primo(a), ela voltava com o terço. Depois do segundo, antes que completássemos o rosário, quem não havia pego no sono fingia dormir.

Tínhamos carinho e respeito por ela por todo o tempo que convivemos, mas não deixávamos de lado as traquinices e ‘vó Mariana parecia entender isto muito bem. Foram quarenta e três netos e netas a passarem pelo colo dela ao longo dos anos!

Para o meu enxoval pedi-lhe de presente, que fizesse uma toalha de crochê para meu novo lar. Passadas cinquenta primaveras cá está a toalha guardada com muito amor. Só a utilizei em ocasião especial como reunião de família e alardeava: -Vovó teceu para mim.

Quanta saudade!

Ela quem me ensinou a fazer o doce denominado Miscelânea, depois de uma reunião de família, quando sobrou uma tigelona de salada de frutas. Melhor explicando: -Minha mãe já havia morrido. Fui administradora da casa por uns meses. Não sabendo o que fazer com aquela sobremesa meio murcha, muito aguada, e ainda assim boa, perguntei à vovó Mariana como poderia aproveitar aquilo. E ela, criada em fazenda com pomar, e muitos irmãos ávidos por doces foi para a cozinha comigo. Juntas calculamos o açúcar cristal proporcional às frutas, despejamos num tacho de cobre e nos revezamos na colher de pau até encorpar.

- Que delícia!



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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