outubro 25, 2019

Meu quadro

Por Elizabeth Maria 


Resolvi pintar um quadro depois dele estar prontinho na minha imaginação. Não quis tela quadrada para que não fosse rotulado de quadro quadrado, e alguém confundi-lo com “careta”; igualmente não escolhi a tela redonda para ninguém dize-lo “bem bolado”. Arrisquei a fazer algo único, só meu, recortado de maneira criada por mim com linhas orgânicas sobressaindo de ângulos retos, agudos, obtusos não. Na superfície nada plana, reentrâncias e saliências, altos e baixos, sulcos e tramas. Dessa maneira, visto à distância parecia algo reconhecível, de perto seria difícil de ser comparado acertadamente com outra coisa existente em lugar comum.

Na minha imaginação tratava-se de um quadro muito bonito, quase perfeita obra de arte. As cores eram as existentes no céu, vistas por um prisma de cristal. Se estaria parecendo “colcha de retalhos” não me importava. Queria todas as cores harmonizando-se no meu quadro! Sem exclusão de nenhuma.

Ali pintei o que me deu vontade, gastando tintas, desgastando pincéis, utilizando as pontas dos dedos para delimitar formas, as costas da mão na criação dos tons de transição entre uma cor próxima de outra tão diferente. Estive tanto tempo envolvida com tudo isso, seguindo o modelo determinado na minha cabeça, ou buscando originalidade, até quase me perder de mim! Quero dizer, perder o modelo da obra artística pretendida por mim, única no mundo.

De vez em quando me sentia rica de ideias, noutras... pobre de criatividade, mas não desejava deixar no ar, sem finalização o que seria uma missão, ou quase. A imaginação ditava as coordenadas, mas o desejo de extrapolar e ir além aparecia sem aviso prévio a mudar a direção traçada.  Venceu a determinação de captar a originalidade, terminar o quadro que ficou imenso, e expô-lo à apreciação de todo o mundo.

Ouvi, li, acompanhei pela TV e “interneticamente” todos os comentários, críticas as mais diversas. Gerei uma polêmica: aquilo não era arte e sim fantasia.

“Nada tinha a ver com nada: originalidade, estética, academicismo, intuição, naturalidade, espiritualidade, liberdade, só vontade de aparecer mesmo. Uma obra destinada aos seus cronometrados cinco minutos de fama.”

Melhor ainda ficou para mim quando surpreendi os leitores declarando-me feliz com aquele rebuliço mediático, afirmando com todas as letras que meu objetivo foi atingido.
Viva eu! Viva tudo! Viva o Chico barrigudo!




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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