Por Elisabeth Santos
Sentia tanto medo de pressentir e
depois ver a acontecer coisas ruins nas minhas proximidades que fui censurando
meus pensamentos espontâneos. Palavras, imagens, encontros casuais e até
presentes ganhos, tinham um significado premonitório.
- Por que haveria de me desfazer de
tal objeto, se dois dias depois vinha a precisar dele? Era “trancham”:
descartava, necessitava em seguida. Deduzi que o que aparecia ao meu olhar e
mãos era sim um aviso: - Você vai precisar disso!
Estendi minhas premonições ao acaso
dos fatos ao redor, sem obsessão. Agia como tinha de agir, sem questionar-me,
ou às cartas, bola de cristal, oráculo ou horóscopo.
Graças ao meu Santo Protetor, interno e
invisível, não acumulei coisas completamente inúteis ou inválidas. Apenas que
hoje, em idade senil sinto-me a carregar água em peneira, porque estou sempre a
receber peças e tranqueiras aos montes, de destino ignoto, para todo dia lotar
minha cabeça: - Quem mesmo estaria precisando de algo assim?
Não conseguindo lembrar de alguém por
três horas... despejo na lixeira o que vai fazer a primeira camada terrestre
formada pelo ser humano. A ...
Há algum tempo consigo lembrar-me do
último sonho que tive dormindo e faço uma interpretação rasa. Não sou estudiosa
do assunto, mas já troquei ideias com quem entende. Fiquei com a sugestão que
me pareceu mais lógica: sonhos meus são só meus. A mim pertence a interpretação
de acordo com o que tenho vivenciado ultimamente. Sonhar com parentes falecidos
confabulando costuma ser um aviso de novidade. Poderá ser notícia boa ou nem
tanto. Para esta última peço ajuda ao meu Santo Protetor. Assim sendo fico
alerta quanto ao conteúdo ou mensagens prováveis dos sonhos que permanecem na
memória, alegrando-me ou entristecendo.
Depois dessa introdução vou relatar o
sonho constante que tenho tido pouco antes, e pouco depois da chegada do Corona
vírus ao Brasil.
Dentre meus sete irmãos falecidos na
idade adulta, dois exerceram a medicina, duas foram Assistentes Sociais. Um
fundou uma escola com atendimento a crianças com Síndrome de Down, outro
dirigiu uma Creche por alguns anos, e o último foi o “pai de todos” nas horas
de aperto financeiro de quem precisou. Nesse ambiente vivi infância e
adolescência. Depois que foram partindo, vê-los em sonhos, junto com mamãe, era
motivo de alegria. Parecia tão real a presença deles diante de mim que eu
participava do assunto naturalmente.
Hoje, ao acordar assustada,
lembrei-me de onde estive, o que falei, escutei, a apreensão sentida.
Encontrava-me perambulando numa rua,
parte iluminada, parte deserta e escura da minha cidade. Parecia procurar
alguma casa. Não achando voltei a pé para observar melhor os aspectos das
fachadas que naquele instante eu já não conseguia ver, dada à escuridão total,
e por se encontrarem no alto de um barranco onde a numeração procurada não se
fazia visível.
Veio uma criança, cabelos de anjo barroco, que
reconheci algum dia ter sido minha aluna, a oferecer-me auxílio. Expliquei-lhe
estar perdida, e ela se dispôs a levar-me à sua casa ali perto e usar o
telefone. A casa era toda de pedras, parecendo um pequeno castelo num terreno
exíguo. Não consegui esconder minha surpresa, em saber de uma menininha
residindo num castelo e ela explicou-me assim: - Esse imóvel se encontrava sem
dono pela ausência de alguém que reclamasse sua posse. Minha família não tinha
onde morar, arranjou documentos atestando o mesmo sobrenome Lélis, e as
autoridades competentes, reconhecendo a legitimidade, liberaram o castelinho
para nós.
Entramos e minha guia agora anfitriã,
atravessou a sala apresentando-me:
- Esses são meus pais e irmãos. O
telefone está no cômodo depois de subir a escada.
Lá estava uma tia idosa, vestida de preto,
altiva, cara fechada e bastante enrugada. O sofá era grande.
Depois de eu tentar minhas ligações
telefônicas para o número do meu pai, sem resultado, resolvi ir a pé sozinha na
escuridão que já não era de um lado só. Era total.
A menina, parecendo anjo, de nome
Olgaídes, não queria deixar-me ir.
_ Dorme aqui hoje. Tem esse sofá onde
tá minha tia.
_ Não. Vou para minha casa onde meu
pai e minha mãe me esperam. O relógio da Igreja bateu nove e meia.
Pondo os pés para fora da casa de
pedra achei por bem corrigir minha fala:
_ Não. Minha mãe morreu em mil
novecentos e sessenta e sete. Meu pai deve estar preocupado comigo.
Dei dois passos na calçada da rua e
voltei-me para dizer:
- Não, meu pai também já morreu. Foi
no ano de 2002. Não tenho ninguém à minha espera.
Foi nessa que acordei assustada.
Toda vez em que visualizei a casa
onde nasci... lá estavam meus sete irmãos junto de mamãe e papai tomando
decisões como era de costume.
Todos falecidos.
...
Enquanto escrevia este, ouvi alguém
clamando por socorro. Era minha vizinha que tentava acordar seu neto com umas
colheradas de açúcar. Estava desmaiado. Corremos, meu marido e eu a ajuda-la e
levar os dois ao Pronto Atendimento da Saúde.
Faz uma hora que estão por lá...
Será que era este o aviso?
A casa deles é em frente à nossa e
fica no alto do barranco...
Prefiro acreditar nisso, que ficar
pensando no Corona Vírus vindo buscar-me.
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora resolveu escrever e já publicou dois livros. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".