abril 19, 2019

Música Maestro

Por Elisabeth Santos


“Quero beijar-te as mãos minha querida. Senta junto de mim vem, por favor. És o maior enlevo da minha vida, és o reflorir do meu amor. Se tu me quiseres tanto quanto eu que vivo para te adorar será um mundo de esplendor... o nosso amor: Amor, nosso amor!”

E o rapazinho cantava, com o joelho direito flexionado à frente da cadeira onde a menina de dez anos, sentadinha com uma raquete na mão aguardava sua vez de jogar pingue pongue.

Ele simplesmente dramatizava o que gostaria de declarar à sua amada, mas não teria chance enquanto o muro do Internato do Colégio estivesse à frente de outros obstáculos bem mais resistentes que suas grandiosas pedras.

Ela sabia das intenções dele, que apenas queria mandar recados para sua inacessível paixão através da coleguinha de classe estudantil da amada.

A cena fazia a rapaziada testemunha de tais arroubos gracejar, e rir daquela suposta bobeira de crianças. Não seria suposta se quem se sujeitava a fazer parte daquele teatro alimentava ilusão a respeito de algum dia ter alguém a se declarar assim a ela. Afinal o rapazinho tinha seu charme! No que repetia cantando os versos de Anízio Silva, arrumava o teimoso topete de cabelos negros e lisos num único balançar da cabeça. Simulava pegar a mão da amada e lascava um beijo na própria mão!

Hora de ela ir para a mesa jogar. Como concentrar se o Romeu insistia nos recados a serem transmitidos à sua Julieta?

_ Por favor, diz pra ela que olhe para mim, que estarei na praça, próximo à terceira palmeira imperial, quando as alunas todas saírem com a diretora para a sorveteria no domingo. Por favor, diz que sim. Que dará meu recado. Que estou louco de amor pela minha Julieta!

A insistência era tão perturbadora quanto inconveniente, sem dar chance da jogadora do momento ganhar do adversário de pingue pongue, ou simplesmente acertar a cortada.

Nenhuma das paixonites da época, entre os meninos do entorno do grande colégio e as alunas internas, concretizou-se como ditava o figurino: _ Um belo dia casaram-se, e foram felizes para sempre! - Em compensação, o aprendizado sobre amor platônico e a realidade da vida a dois VALEU!



Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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