Por Elisabeth Santos
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Catedral de São João, o Divino, em Nova Iorque. |
Senhorina acomodou-se na cadeira ao lado de Dona Márxia dando início à narração do seu dia. Do alto da sua terceira, ou quarta idade, aguardar atendimento pelo funcionário do banco, no exato dia do pagamento dos aposentados, não era uma questão de espera tediosa. Há muito tempo deixara de ser. Escolhia um lugar para sentar-se preferencialmente entre duas pessoas com que pudesse conversar ou, no mínimo ser ouvida, ali se instalava e começava a falar, falar, e falar...
Desta vez a sorte estava ao seu favor. Não é que, à sua direita, reconheceu a moça que foi professora de seu filho? Estava claro! Com aquele penteado, óculos de grau, e vestindo jeans combinando com a bolsa, só poderia ser ela: a Dona Márxia!
Senhorina foi falando de seu menino, agora com vinte e oito anos, que ela se esforçara a pôr para estudar, em busca de um futuro melhor. Desde que se separou do marido alcóolatra, e depois ficara viúva, a situação financeira dos dois tinha piorado bem. A casa caiu, e aceitou uma moradia emprestada, que com o passar dos anos estava prestes a cair também. Os caibros apodreceram, as telhas foram se quebrando, a chuva entrando em casa, as paredes mostrando trincas aqui e ali. O pouco dinheiro recebido mensalmente, era a conta do essencial para a sobrevivência, mas agora nem isto, obrigando-a a segurar a escada para o filho ajeitar o telhado, a ir pegar galhos secos caídos no pasto para acender o fogão, a aceitar a cesta básica doada na igreja que frequentava, pois os remédios do filho eram muitos, e caros. Sim, ela poderia casar-se de novo, e tinha um pretendente.
Ele a ajudaria no serviço mais pesado. Seria uma companhia também. Só que casar-se na igreja ele não aceitava, sendo que ela jamais viveria com um homem sem a benção de Jesus. A respeito dela, que sempre fora muito trabalhadeira, outrora dando conta de tirar tarefa de doze horas na enxada, ou na colheita... o advogado já havia avisado que não voltasse a trabalhar para não perder o dinheirinho mensal. O jeito era ir como ia, pelejando com as dificuldades. E ela não entendia como sua vizinha feiticeira conseguira oito mil reais para construir um ranchinho, sendo que ela não conseguia nem oitocentos para a compra das telhas e madeira de engradamento do telhado. A casa não sendo de sua propriedade, quem teria de consertá-la era o dono, e este já havia negado. Ela podendo consertaria sim. Afinal estava morando ali, desviando-se das goteiras, vento, frio e poeira, sem nomear os bichos. Até agora não sabia como. Se a vizinha feiticeira e maledicente conseguira um protetor, por que não conseguiria ela também? Nesse ponto da conversa, onde pouco se ouvia a voz da Dona Márxia, Senhorina muda o tom da conversa. Revela ter escutado alguém dizer que a vizinha foi ajudada por ela: Dona Márxia em carne, osso e jeans! E pergunta se foi mesmo ela, o anjo surgido na salvação da casa de sua vizinha.
_ Olha aqui Senhorina, eu quero saber se fui eu a ajudar sua vizinha ou foi a Márxia?
Porque eu não sou a Márxia!
_ Hã?
_ Pois é...
Senhorina, sem acreditar no que ouvia, olhou para o outro lado e surpreendeu-se com o meio sorriso do colega de fila de banco. E ele:
_ Posso ajuda-la?
_ É que estou confusa...
_ Ouvi com interesse seu relato. Estou reformando minha casa, e posso levar ao seu endereço as sobras de madeira, telhas, cimento e tinta da obra. Talvez, o pedreiro que trabalha para mim possa ajudar a ajeitar seu teto, num fim de semana combinado com antecedência. O que acha?
_ Deus seja louvado! Encontrei um anjo para sair dessa triste situação!
_ Calma Dona Senhorina. Não sou o anjo. Sou só o pastor da igreja da sua vizinha. E afinal, ela também não é nenhuma feiticeira. É apenas uma Irmã de Fé, que trabalha conosco.
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".