Não se trata de “viajar na maionese”, nem tampouco de
imaginar-se voando por aí sem rumo. Uma boa viagem começa num planejamento
simples da data, do horário, condução, dinheiro e bagagem porque tudo o mais já
temos: objetivo, ânimo, disponibilidade de tempo e desejo de ver e viver coisas
novas.
Quem gosta de viajar sabe de imprevistos. Os sortudos
não levam guarda chuva... e não chove! Os menos privilegiados pela sorte levam
roupa chique para uma comemoração, e nada de festas...
Aqui a viagem das viagens não é a última, mas poderá
ser a penúltima. Seria aquela viagem inesquecível, posto que, surpreendente do
começo aos “finalmentes”. Tudo de inimaginável acontecia, ou ficava por um
triz.
O trem chegaria de S. Gonçalo do Sapucaí à estação
ferroviária de Campanha, trazendo malas dos correios, e desembarcar e embarcar
passageiros, por volta de cinco horas da manhã. A neblina era tanta, que as
pessoas mal se reconheciam, inda mais com aquelas roupas do inverno rigoroso no
Sul de Minas.
Atrasou sim, e ninguém ficou chateado por isto. Não
iam pegar o Noturno na próxima parada.
_ A “coisa” chegou! – ouviu-se o alívio dos passageiros
ao escutar o apito da “Maria Fumaça” na Estação! Ela fazia parte da frota de
locomotivas a vapor da Rede Mineira da Viação, cuja sigla RMV em dourado no
negrume da superfície ferrosa era interpretada como “rincha mula véia” quando
assíduos passageiros já tinham outras opções modernas de conduções. Em Cruzeiro
(SP), alguns desses costumavam prosseguir viagem no luxo do trem de aço ou Expresso,
até o Rio de Janeiro, então capital do país. Antes disso, caminhos sinuosos,
túneis, subidas quando o trem era acrescido de mais uma máquina a empurrar o
último vagão; descidas e pontilhões... tudo enfrentado com galhardia entre uma
parada e outra.
No alto da serra Mantiqueira: vista deslumbrante, água
da nascente, moranguinhos silvestres, música de um sanfoneiro, ou um soprador solitário
de gaita harmônica.
As estações de embarque e desembarque de passageiros,
e malas de Correios, eram também paradas de abastecimento de combustível, água,
e caso fosse preciso, girar a locomotiva para seguir em outros trilhos, em
outro rumo. Quem se sentisse enjoado ou desconfortável... também virava o encosto
do banco e ia em frente, de frente; descia o vidro da janela recebendo a brisa
cheirosa que balançava as moitas de capim limão ladeando os trilhos; observava
trechos encachoeirados do rio; identificava o gado em suas pastagens; vigiava a
fumaça subindo... sumindo!
E o vendedor de maçãs e brinquedos artesanais passava
pelos vagões de passageiros fazendo a alegria das crianças acordadas, e quase
entediadas pelas horas de bom comportamento viajando com os pais, ou avós. Adolescentes não paravam quietos:
atravessavam de um vagão para outros vagões, iam até o carro-restaurante
(alimentação mesmo, que seria bom ter... não havia). Vivia-se o tempo da matula
preparada de véspera pela família, ingerida naquele recinto, com atendimento do
garçom a trazer as bebidas.
E assim a viagem poderia durar dias, visitando
cidades, mudando de trens, para os representantes de mercadorias que abasteciam
lojas do Brasil; horas deliciosas para quem ia rever pessoas queridas; muitas
lorotas para contar, ou mesmo notícias daqui e dali quando retornassem. As
estações: Cambuquira, Lambari, Freitas, Três Corações, Soledade, São Lourenço, Caxambu,
Passa Quatro, Itanhandu... e tantas outras, deixaram saudades aos mocinhos nas
plataformas a espiar as alunas dos colégios indo ao internato, voltando ao lar,
de férias.
Tempos passados que deram oportunidades a encontros,
desencontros, amizades, namoricos e até casamentos duradouros contados em tantas
outras viagens.
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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