janeiro 01, 2019

A viagem das viagens

Por Elisabeth Santos


Beth viajando em trens que agora voam!

Não se trata de “viajar na maionese”, nem tampouco de imaginar-se voando por aí sem rumo. Uma boa viagem começa num planejamento simples da data, do horário, condução, dinheiro e bagagem porque tudo o mais já temos: objetivo, ânimo, disponibilidade de tempo e desejo de ver e viver coisas novas.

Quem gosta de viajar sabe de imprevistos. Os sortudos não levam guarda chuva... e não chove! Os menos privilegiados pela sorte levam roupa chique para uma comemoração, e nada de festas...

Aqui a viagem das viagens não é a última, mas poderá ser a penúltima. Seria aquela viagem inesquecível, posto que, surpreendente do começo aos “finalmentes”. Tudo de inimaginável acontecia, ou ficava por um triz.

O trem chegaria de S. Gonçalo do Sapucaí à estação ferroviária de Campanha, trazendo malas dos correios, e desembarcar e embarcar passageiros, por volta de cinco horas da manhã. A neblina era tanta, que as pessoas mal se reconheciam, inda mais com aquelas roupas do inverno rigoroso no Sul de Minas.

Atrasou sim, e ninguém ficou chateado por isto. Não iam pegar o Noturno na próxima parada.

_ A “coisa” chegou! – ouviu-se o alívio dos passageiros ao escutar o apito da “Maria Fumaça” na Estação! Ela fazia parte da frota de locomotivas a vapor da Rede Mineira da Viação, cuja sigla RMV em dourado no negrume da superfície ferrosa era interpretada como “rincha mula véia” quando assíduos passageiros já tinham outras opções modernas de conduções. Em Cruzeiro (SP), alguns desses costumavam prosseguir viagem no luxo do trem de aço ou Expresso, até o Rio de Janeiro, então capital do país. Antes disso, caminhos sinuosos, túneis, subidas quando o trem era acrescido de mais uma máquina a empurrar o último vagão; descidas e pontilhões... tudo enfrentado com galhardia entre uma parada e outra.

No alto da serra Mantiqueira: vista deslumbrante, água da nascente, moranguinhos silvestres, música de um sanfoneiro, ou um soprador solitário de gaita harmônica.

As estações de embarque e desembarque de passageiros, e malas de Correios, eram também paradas de abastecimento de combustível, água, e caso fosse preciso, girar a locomotiva para seguir em outros trilhos, em outro rumo. Quem se sentisse enjoado ou desconfortável... também virava o encosto do banco e ia em frente, de frente; descia o vidro da janela recebendo a brisa cheirosa que balançava as moitas de capim limão ladeando os trilhos; observava trechos encachoeirados do rio; identificava o gado em suas pastagens; vigiava a fumaça subindo... sumindo!

E o vendedor de maçãs e brinquedos artesanais passava pelos vagões de passageiros fazendo a alegria das crianças acordadas, e quase entediadas pelas horas de bom comportamento viajando com os pais, ou avós.  Adolescentes não paravam quietos: atravessavam de um vagão para outros vagões, iam até o carro-restaurante (alimentação mesmo, que seria bom ter... não havia). Vivia-se o tempo da matula preparada de véspera pela família, ingerida naquele recinto, com atendimento do garçom a trazer as bebidas.

E assim a viagem poderia durar dias, visitando cidades, mudando de trens, para os representantes de mercadorias que abasteciam lojas do Brasil; horas deliciosas para quem ia rever pessoas queridas; muitas lorotas para contar, ou mesmo notícias daqui e dali quando retornassem. As estações: Cambuquira, Lambari, Freitas, Três Corações, Soledade, São Lourenço, Caxambu, Passa Quatro, Itanhandu... e tantas outras, deixaram saudades aos mocinhos nas plataformas a espiar as alunas dos colégios indo ao internato, voltando ao lar, de férias.

Tempos passados que deram oportunidades a encontros, desencontros, amizades, namoricos e até casamentos duradouros contados em tantas outras viagens.




Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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