Despedindo do ano que se passou, foi programada uma
reunião festiva dos cinquenta membros do clube. Atividades encerradas foram
postas em avaliação pelos presentes. A música era boa e muitos arriscaram
passos de uma dança improvisada. Houve uma brincadeira de rodar números num
disco onde cada um teve oportunidade de tentar a sorte recebendo um presente
bem embrulhado para não se saber de antemão o que estava recebendo.
Salgadinhos, docinhos e sucos de frutas à vontade, pois alguns convivas vieram
de longe e a despedida do ano naquele clube sempre teve um ritual respeitado
por todos desde sua fundação: falas avaliativas de atividades realizadas,
música, cantoria, comes e bebes e algumas brincadeiras. Para o final... os
chamados discursos, hora em que os menos tímidos até arriscavam falar em
público, diante do microfone e de improviso!
Em primeiro lugar, o orador oficial, fundador e pela
terceira vez diretor do grupo democrático com eleição bienal. Ele tirou uma
única folha do bolso, leu a descrição de suas iniciativas daquele ano que se
encerrava, elogiou a participação de todos agradecendo veemente as
colaborações.
Em seguida falou um representante da turma e a
palavra foi aberta a quem quisesse se expressar.
Hora delicada, quando ninguém se habilita a dizer nada
publicamente para não prolongar a reunião, e cansar os presentes que já se
movimentam nas desconfortáveis cadeiras de plástico.
Eis que se adianta ao microfone Dona Angélica Meiriluce e inicia a oratória afirmando que será breve:
_ Meus senhores, minhas senhoras, meus caldeirões e
suas caçarolas. Aqui estamos ao ensejo de um recomeço, que é o ano de 1990. Mal
termina 1989, embora tivesse terminado com muito mais benfazejos que malfazejos e já vislumbramos um horizonte promissor. Ninguém aqui, entre honrados
companheiros, tem certeza dos eventos que se aproximam, mas tem uma verdejante
esperança que tudo seja muito melhor. E assim tem sido através dos séculos que
eu mesma presenciei, e posso testemunhar ter visto com meus próprios olhos,
estes que a terra um dia há de comer. Toda passagem de ano no clube é a mesma
coisa: só porque dizemos ANO NOVO, não estamos afirmando com todas as letras
que tudo será novidade. O despertar em cada um dos trezentos e sessenta e cinco
dias será comum. Muito trabalho, enfrentamento de problemas não aritméticos,
soluções saídas do nada, gente indo e vindo, mudanças climáticas... para pior.
O Clube, como um todo, define boas metas e deseja veementemente que sejam
atingidas. Observemos a casa do sr. João de Barros: dependendo de que lado ele
construiu a entrada, maus ventos virão pelo outro lado. Assim faremos nós.
Vamos imitar o sábio pássaro dos postes urbanos. Importa-me lá as palavras
difíceis do moço do tempo: zona de convergência, chuvica de nada, frente fria,
costa quente, massa polar, ciclone, marouço de calor, borrasca tropical ou
qualquer outra palavrona. Remaremos contra a correnteza se preciso for para
atingirmos o proposto no estatuto dessa sociedade e seu regimento interno.
Pausa para
beber o copo d’água restante e o orador olha a plateia espantado: a metade que
não cochilava, bocejava.
Perdeu o fio da meada que estava a desenrolar.
Desnorteado, queria encerrar, mas não via como. Também gostaria de obter uns
aplausos do distinto público, que precisava ser acordado naquela altura dos
acontecimentos. Foi quando recebeu o raio de luz que vinha de um flash
qualquer e bradou:
_ E vivas à nossa Padroeira!
Entre devotos felizes pela boa lembrança e outros
convivas aliviados por irem embora antes do toró que ameaçava cair, a Confraria
bateu palmas fortemente e dispersou para se reencontrar depois das férias de
verão.
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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