dezembro 28, 2018

Despedindo

Por Elizabeth Santos

Despedindo do ano que se passou, foi programada uma reunião festiva dos cinquenta membros do clube. Atividades encerradas foram postas em avaliação pelos presentes. A música era boa e muitos arriscaram passos de uma dança improvisada. Houve uma brincadeira de rodar números num disco onde cada um teve oportunidade de tentar a sorte recebendo um presente bem embrulhado para não se saber de antemão o que estava recebendo. Salgadinhos, docinhos e sucos de frutas à vontade, pois alguns convivas vieram de longe e a despedida do ano naquele clube sempre teve um ritual respeitado por todos desde sua fundação: falas avaliativas de atividades realizadas, música, cantoria, comes e bebes e algumas brincadeiras. Para o final... os chamados discursos, hora em que os menos tímidos até arriscavam falar em público, diante do microfone e de improviso!
 
Em primeiro lugar, o orador oficial, fundador e pela terceira vez diretor do grupo democrático com eleição bienal. Ele tirou uma única folha do bolso, leu a descrição de suas iniciativas daquele ano que se encerrava, elogiou a participação de todos agradecendo veemente as colaborações.
Em seguida falou um representante da turma e a palavra foi aberta a quem quisesse se expressar.
 
Hora delicada, quando ninguém se habilita a dizer nada publicamente para não prolongar a reunião, e cansar os presentes que já se movimentam nas desconfortáveis cadeiras de plástico.
 
Eis que se adianta ao microfone Dona Angélica Meiriluce e inicia a oratória afirmando que será breve:
 
_ Meus senhores, minhas senhoras, meus caldeirões e suas caçarolas. Aqui estamos ao ensejo de um recomeço, que é o ano de 1990. Mal termina 1989, embora tivesse terminado com muito mais benfazejos que malfazejos e já vislumbramos um horizonte promissor. Ninguém aqui, entre honrados companheiros, tem certeza dos eventos que se aproximam, mas tem uma verdejante esperança que tudo seja muito melhor. E assim tem sido através dos séculos que eu mesma presenciei, e posso testemunhar ter visto com meus próprios olhos, estes que a terra um dia há de comer. Toda passagem de ano no clube é a mesma coisa: só porque dizemos ANO NOVO, não estamos afirmando com todas as letras que tudo será novidade. O despertar em cada um dos trezentos e sessenta e cinco dias será comum. Muito trabalho, enfrentamento de problemas não aritméticos, soluções saídas do nada, gente indo e vindo, mudanças climáticas... para pior. O Clube, como um todo, define boas metas e deseja veementemente que sejam atingidas. Observemos a casa do sr. João de Barros: dependendo de que lado ele construiu a entrada, maus ventos virão pelo outro lado. Assim faremos nós. Vamos imitar o sábio pássaro dos postes urbanos. Importa-me lá as palavras difíceis do moço do tempo: zona de convergência, chuvica de nada, frente fria, costa quente, massa polar, ciclone, marouço de calor, borrasca tropical ou qualquer outra palavrona. Remaremos contra a correnteza se preciso for para atingirmos o proposto no estatuto dessa sociedade e seu regimento interno.
Pausa para beber o copo d’água restante e o orador olha a plateia espantado: a metade que não cochilava, bocejava.
 
Perdeu o fio da meada que estava a desenrolar. Desnorteado, queria encerrar, mas não via como. Também gostaria de obter uns aplausos do distinto público, que precisava ser acordado naquela altura dos acontecimentos. Foi quando recebeu o raio de luz que vinha de um flash qualquer e bradou:
 
_ E vivas à nossa Padroeira!
 
Entre devotos felizes pela boa lembrança e outros convivas aliviados por irem embora antes do toró que ameaçava cair, a Confraria bateu palmas fortemente e dispersou para se reencontrar depois das férias de verão.






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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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