agosto 31, 2018

Realidade e Sonho IV


Por Elisabeth Santos


Bordei de dia e cochilei bordando. Vi um nó de linhas no bordado, peguei a tesourinha, cortei o nó sem perceber o pique dado no tecido. Agora restava pegar agulha de crochê para tentar pegar a malha escapulida. Teria que levantar-me da poltrona reclinável, e ir buscar a ferramenta necessária no cestinho de costuras. No exato momento em que me levantava... vi a malha solta, num efeito dominó, ir prosseguindo o caminho ponto a ponto fazendo um grande estrago.

Desesperei-me ao pensar que seria impossível sair dali sem que o meu movimento desfizesse o lindo casaquinho bordado.

Levantei-me assim mesmo!

Só não fui buscar agulha de crochê nem nada! Encontrava-me em outro ambiente, e a situação também era outra, e bem diferente.

Acordando do rápido cochilo, aliviada percebi não haver estrago nenhum no meu bordado.
Mas fiquei inculcada com o sonho. Por que vinha trazer-me aflição?

Acabei sossegando-me: _ Preferível um sonho, que uma realidade aflitiva!

“_ S’embora” tocar a vida pra frente, pois lá atrás vem gente! _ Ordenaria minha bisa; e que Deus a tenha.  




Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

agosto 24, 2018

Realidade e sonho llI

Por Elisabeth Santos




As pessoas estavam chegando de longe para inesperada visita familiar. Era muita gente entrando, e cumprimentando os muitos que ali estavam. A criança ali perdida, só enxergando pernas indo, pernas voltando na sala de jantar assustou-se por não entender nada.

Um dos jovens tentava adivinhar o motivo daquela caravana de visitantes bem no horário de ser colocado o almoço na mesa, e chegou a preocupar-se com a demora da empregada em trazer a comida. O dono da casa, enxergando pouco devido à idade, distinguia os familiares que há tempos não via através de gestos e atitudes que permaneceram em sua memória:

Tio Juca é aquele que abanou o pó da cadeira com seu chapéu, antes de sentar-se.

Sinhazinha deve ser a que reparou a mesa de toalha alvíssima antes mesmo dos cumprimentos.

Quem fez um muxoxo, só poderia ser a megera da tia avó da turma.

As crianças correndo de cá pra lá... eram de uns que ali estavam, e de outros que não vieram. Certamente primos.

E chegado o momento, elas mesmas ofereciam petiscos de pepino picadinho com fatias de limão. Algumas deixavam escorregar do prato aquela salada, e eram ajudadas pelos maiorzinhos.

Todos aguardavam o almoço, que não vinha da cozinha silenciosa, e sem cheiro que pudesse despertar apetites... ou só davam a impressão, que algo haveria de acontecer em seguida?

Mas afinal, pergunto-me o porquê de tanta roupa de festa branquíssima num dia comum. Perguntaram-me agora por que alguém devolvia aos reais proprietários as joias retiradas do cofre aberto na estante do corredor.

E aquele silêncio o tempo todo que durou a visita, era impressionante!

Assim como apareceram, sumiram...

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Dia seguinte ouço no rádio notícias da festa do Bonfim iniciando naquele janeiro calorento de Salvador: a multidão vestida de branco percorrendo a pé os oito quilômetros de distância do Largo da Conceição ao Largo do Bonfim; as carroças enfeitadas conduzindo tanto os mais novos quanto os mais velhos; a lavagem da escadaria da igreja católica pelo povo do Candomblé, com muita água de cheiro; uns indo para agradecer, outros para pedir Paz, Saúde e Prosperidade, quando não vinham para os dois atos de Fé.

E a multidão não desapareceu... apenas misturou-se a todas as outras cores, sons, cheiros, crenças, num corpo a corpo de suor e ritmos pagãos adentrando noite e madrugada sem fim.         




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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

agosto 17, 2018

Realidade e sonho II

Por Elisabeth Santos
Gatinhos fofinhos também sonham?


Fatos e fotos fazem parte da realidade, mas há sonhos tão próximos do real, que só não podem mesmo ser fotografados. Talvez, algum dia, poderá sim existir instrumento preciso para tal.

Necessário é o sonho, preciosa é a lembrança dele. Há quem afirme nunca sonhar, pois ao despertar não se lembra de nada.

Há sonho que se sonha dormindo e torna-se realidade ao acordar. É raro! A realidade pessoal sim, vai sempre aparecer num sonhar dormindo, mesmo que camuflada. Tipo: _ Sonhei com um parente, e ele veio visitar-me.

Estudiosos do assunto não desistem de suas pesquisas. Desejam saber o quanto alguém pode ser ajudado pela interpretação dos seus próprios sonhos. Também se importam com o contrário. Isto porque, algumas pessoas, podem fixar na ideia de vivenciar na realidade o seu sonho, e com isso se esquecerem da vida.

O sonho faz parte do bom sono recuperador das forças para o amanhecer ativo. Lembrar- se ou não de um sonho nem faz diferença na disposição de trabalhar no dia seguinte...

Para quem não gosta do seu trabalho recomenda-se não ficar parado, sonhando acordado em horário de serviço. Fazer e seguir um planejamento de mudanças, aprender mais, tentar adaptar-se às inovações pode sim ajudar o insatisfeito a tomar novo rumo e fazer as pazes com seu “ganha pão”.

Quanto ao malandro, aquele que aprecia sombra e água fresca... Alimentando-se de desejos inalcançáveis sem buscar meios honestos de obtê-los... Não se sabe o que lhe aconselhar! 

Existe sim, a pergunta que não quer calar: _ E adiantaria indicar-lhe algo de bom? Levará a sério?

O conselho vai então para os desavisados:_ Não acredite em fortuna rápida, “vida boa” sem custo, negócios vantajosos sem garantias, amigos que aparecem quando tem interesse e somem logo mais.

Não é de hoje que se ouve a frase: Não tenho tudo que gosto, mas gosto de tudo que tenho.

_ Bons sonhos a todos!





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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

agosto 10, 2018

Realidade ou sonho l

Por Elisabeth Santos


Você aí que pensava não ser possível escolher sonho, saiba que na Confeitaria existem várias opções.

Brincadeira a parte, ouvi de certa amiga relatos de sonhos perigosos dos quais escapou ilesa raciocinando assim:

_ Sei que estou sonhando... então que venha a montanha intransponível; o urso feroz; o abismo ao final da estrada, ou seja lá o que for de ruim. Sempre hei de acordar bem, na minha cama, com a cabeça no meu travesseiro!

Estudos a respeito dizem que pode não ter sido só um sonho, a partir do instante em que o raciocínio lógico interviu.

Pior!

Conheço alguém que afirma gostar de sonhar dormindo, pois sonha em 3D, enxerga em tamanho real, e ainda em cores naturais. Passeando por lugares diferentes, lê placas, ouve músicas, conversa, e faz contas de quanto gastou no restaurante! Lembrar-se depois de acordado é que são elas. Talvez o último episódio do “filme” seja o mais lembrado, pois os olhos se movimentam muito em comparação com o pouco que se consegue lembrar.

Se aquele “sonhado dormindo” era real, se a pessoa sem sonambular saiu de sua cama... taí um mistério misterioso, a merecer investigação.


Poderíamos estar em dois lugares diferentes? Vivemos outra vida além dessa?

  



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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".



agosto 03, 2018

Esqueça

Por Elisabeth Santos


© Nejron


O que se chamava caduquice, e vinha com a terceira idade, hoje tem nome de Alzheimer. Tudo bem que os sintomas foram cientificamente esmiuçados, as causas investigadas, os doentes observados devidamente nas fases que iam surgindo.

A cura, tanto daquela caduquice quanto do que vemos agora, com muitas pesquisas realizadas, ainda não está ao alcance dos pacientes por tratar-se de uma doença degenerativa; de desgaste mesmo, ou do envelhecimento, como preferirmos denominá-la enfim.

Conversando com pessoas idosas recém-conhecidas, por não estarem no meu âmbito familiar, demorei a distinguir as que mereciam mais atenção nos lembretes de atividades bem simples, que dependiam da memória recente. Dando sequência a uma conversa normal, aparentavam estar bem. Dali a pouco, do nada, surgiam perguntas assim:

_ Quem é mesmo você? Mora aqui? O que faz?

E às minhas indagações rotineiras de eventual cuidadora delas:

_ Quer almoçar? Tomar um banho? Dar uma volta lá no jardim? Respostas convictas e semelhantes:

_ Já fiz isto hoje!

Se assim continuássemos, não chegaríamos a lugar algum. Resolvi fazer uma modificação na abordagem.

Minha estratégia, para atingir os objetivos imprescindíveis, agora era:

_ Está na hora do lanche, vamos lá!

Tomava eu mesma a iniciativa, colocando Don’Ana na postura de seguir minha ideia do que era necessário fazer naquele momento. Só assim consegui não deixar para trás nenhum dos seus saudáveis hábitos diários.

E minha amiga pegava as agulhas de tricô e tecia... para dali a pouco desmanchar duas ou três carreiras e nunca terminar a peça começada. Tricotava, desmanchava uma parte, para em seguida refazê-la, sem perceber que não avançava no rendimento do trabalho assim feito e refeito incansavelmente. Ou será que percebia?

Eu não queria que ela fizesse sempre a mesma coisa, estando numa única postura corporal, assentada diante de um aparelho de TV ligado, então insistia:

_ Don’Ana, por que desfez um trabalho tão lindo? - e ouvia a mesma resposta:

_ Tinha um erro. Precisava corrigí-lo!

Aos meus olhos, nada de erro.

Seria perfeccionismo ou uma lembrança dos tempos de aprendizado de trabalhos manuais, quando a suposta exigência seria da mestra que permaneceu inesquecível? Então seria assim: tudo que foi muito repetitivo em algum período daquela vida estaria memorizado “ad eternum”? (- Que ruim esse tal de alemão registrado Alzheimer - eu não deixava de ironizar interiormente.) E assim resolvi que ia trocando a cor da lã, para que ela pudesse fazer alguma observação. Às vezes sim... às vezes não... Don’Ana pedia o seu tricô original conseguindo distinguí-lo em meio de tantos outros novelos e agulhas de diferentes espessuras e tonalidades.

Os primeiros dias do inverno passando, meu estágio quase terminando...

As conversas em momentos de lucidez eram bem interessantes:

_ "Tive uma infância feliz na fazenda de minha família em Engenho Novo, estado de Minas Gerais. Tenho saudades daqueles tempos. Meus irmãos e eu brincávamos em meio de tanta vegetação, inventávamos brinquedos em horários não escolares, mas ajudávamos também. Depois do café da manhã, papai saia para a lavoura e eu o seguia para ajudar. Se ele fazia a cova para os grãos eu a fechava com o pé. Se ele colhia eu auxiliava carregando o que dava conta.

Aos treze anos tive a incumbência de pajear minha irmã mais nova, porém ela morreu cedo me deixando pesarosa e só. Em meus pensamentos procurava, sem achar, uma causa para a morte precoce da maninha. Sem ter alcance para um raciocínio lógico satisfatório, ouvindo dos mais velhos, que ela se foi pela vontade de Deus, sem compreender porquê Ele a tirou de mim, acabei por sentir-me culpada de alguma negligência no cuidado com a criança.

Aos dezesseis anos apaixonei e fiquei noiva de um rapaz bom e trabalhador. Só não tive coragem suficiente para o casamento. Desisti de última hora, achando que não conseguiria, principalmente, ser boa mãe. Escolhi a carreira de professora, mas estando com emprego fixo num Colégio, fui convidada a trabalhar na tesouraria. Ali fiquei até a aposentadoria por meu próprio gosto e mais uns dez anos por insistência da diretoria. Fui ensinando meu serviço, passando as responsabilidades para funcionários mais jovens, pois percebi que “um certo alemão” começou a se declarar demente por mim, interferindo nas minhas lembranças recentes, atrapalhando meu dia a dia no serviço. Resolvi aposentar-me de vez, consciente de já poder parar, antes de comprometer negativamente a tarefa que desempenhei com tanta seriedade, dedicação e amor."

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Em outros momentos, minha amiga coloca no bolso do casaco de frio a caixinha do medicamento diário. Tricota mais duas carreiras de ponto Segredo e a desmanchar as três últimas carreiras lembra-se que ganhou um presente. Enfia a mão no bolso e pegando a caixinha agradece-me assim:

_ Gostei muito deste lindo presente que você me deu, viu?

E guarda-o no mesmo bolso.

Hoje sim tive a certeza que Don’Ana não poderá ficar sem alguém responsável por ela.

Inicio uma sessão musical de tempos colegiais, composta de cantoria de várias vozes e observo olhinhos brilhando ao meu redor até que uma lágrima caia.

Esqueça tudo o que seu estudo acadêmico ensinou-lhe para chorar também.



Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".