O casal ao lado do carrão, literalmente. |
Os olhos dela pararam sobre um fusca. O coração dele bateu forte
diante de um LTD Landau.
Ficaram uns minutos diante do carrão, andaram mais um pouco,
voltaram lá.
Ela:
― Você vai comprá-lo?
Ele:
― Não, estou só a admirar.
Puseram-se novamente a dar uma volta, viram doginho e corcel, para
“estacionarem” novamente na frente do carrão azul. O proprietário estava por
perto, mostrou cada detalhe ressaltando o fato daquele automóvel, mesmo tendo
sido fabricado há pelo menos duas décadas, era todo original. A lataria sem um
arranhão brilhava diante do olhar também brilhante e azul do admirador.
Ele exclamou:
― É antigo.
O vendedor explicou que não. Para ser considerado antigo teria que
ter no mínimo cinquenta anos.
Por estranho que possa parecer, quem iniciou a negociação foi a
mulher, que nem dirigir dirigia, ou talvez por isso mesmo:
― Quanto o senhor tá pedindo?
― Seis.
Era três vezes menos dinheiro do que qualquer outro automóvel do
feirão de usados daquele dia!
Conhecendo bem o marido, incentivou:
― Compra!
E ele respondeu e ponderou que não, por ser caro. Ela sem entender
este(s) caro(s), escutou a explicação: o combustível, a manutenção, o
estacionamento sim eram caros. O preço do veículo não. O dinheiro estava no
bolso.
Agora ela passa a fazer o papel de vendedora:
― Experimente dirigi-lo. Leia o manual. Pergunte sobre suas dúvidas.
Traga um mecânico da sua confiança.
E saíram dali dentro daquela banheira, transatlântico ou outro
cognome que pudesse ter, automóvel daquele porte em Belo Horizonte.
Chegando ao prédio onde moravam, a primeira dificuldade foi fazer
caber na vaga da garagem. Sair? Só de ré. Manobrando, já na rua, atravancava o
trânsito. Descendo a Avenida Afonso Pena, o carrão lotado disparou, a mulher
pedia para ir mais devagar e o marido:
― Afinal de contas, o casal é dono de poço de petróleo ou mascateia?
Até que um dia, a filharada no banco de trás, ultrapassados pelo
caminhão de lixo, o gari ali pendurado grita e dá uma gostosa gargalhada:
― “Saúde é o que interessa o resto não tem pressa!”
Arriscaram até uma viagem para o litoral e no trecho tortuoso da
serra ouviram outro motorista dizer-lhes que, olhando pelo retrovisor ao fazer
uma curva, não se enxergava a rabeira do carro. Era demais!
Tanta maciez, conforto, luxo e espaço interno tinham a mesma
proporção dos inconvenientes de um carro fora dos padrões dos anos noventa.
Quando o locatário da vaga do estacionamento permanente do carro queria
aumentar o aluguel devido à mancha de óleo no chão revestido de pedra São Tomé,
o casal iniciou outro tipo de assunto:
― Vamos vender este carro e comprar outro menor – dizia a esposa ao
marido.
― Não antes de ingressar no Clube do Carro Antigo e rodar pelas ruas
de Caetés no desfile anual – respondia o marido à esposa.
Nenhum deles lembra-se mais como convenceram o presidente do tal
clube a aceitar a inscrição do Landau azul 1971 a figurar ao lado do Ford
Bigode 1929, do Chevrolet 40, do Cadilac 49, dentre outros, mas ele aceitou.
A festa foi uma beleza, com bandas tocando na praça, os carros muito
bem cuidados rodando devagar um atrás do outro, a multidão acenando com
bandeirinhas, a exposição na rua principal da histórica cidade e o almoço
oferecido na Associação de Esportes. Todos os participantes do evento estavam
felizes e realizados.
Ali mesmo negociaram o Doge LTD Landau, recebendo como parte do
pagamento um Karmann Ghia vermelho ano 1969.
Recomeçou a novela, desta feita com problemas um pouco diferentes. A
lataria avariada exigia conhecimentos e habilidades de um bom funileiro. Este,
por sua vez desconfiado que pós conserto o veículo teria seu valor acrescido de
dois zeros pelo menos, exigiu uma cláusula no contrato de seu serviço de
restaurador: ter preferência de aquisição se o carro esportivo fosse colocado à
venda nos próximos anos!
E a paixão por carro antigo prosseguiu, sem no entanto passar pelas
gerações. Os filhos, embora colecionando miniaturas de automóveis “retrô”, não
dirigiam nenhum. Os netos só distinguiam modelos de carros nos vídeos games de
corridas e manobras radicais, e ainda se alguém lhes indagasse se queriam o
carro do vovô respondiam:
― Não! Queremos mesmo um Hot Wheels de verdade!
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