abril 16, 2019

Viagem das Viagens II

Por Elisabeth Santos
 Em ponto de marca no vestidinho... a viagem que eu faria em roda de mim.
 Adélia Prado

Sem dúvida que tive um vestido por um barquinho enfeitado. Dentro dele antevia minha única viagem em roda de mim. Estou nela! Se não estivesse não me assentaria ao computador para registrar, e depois eternizá-la na internet. Imagino sim, o que for pela Net nunca será apagado, e é dessa eternização que ora necessito!

Vamos à história que originou o título dado por mim:

Da página dedicada à moda, do jornal publicado no Rio de Janeiro (1958), saiu o vestidinho rosa e verde confeccionado sob minha medida.

Foi uma dificuldade achar um desenho de caranguejo para compor aquela barra de barquinho, peixes e bolhas de oxigênio n’água. E eu daquele verde mar e rosa crepúsculo cercada... Me achei! Por um ano foi meu vestido de missa dominical, festa de aniversário, data comemorativa... Depois disso não serviu mais e deixei de lado minha infância, não os meus sonhos de conhecer o mar por exemplo. Então pontinhos de marca, marcaram sim minha passagem para a pré-adolescência. Tirei este termo da enciclopédia “O Munda da Criança” e enchi minha cabeça do ideal de não permanecer criança por mais tempo. Enchi também a paciência dos adultos da família corrigindo-os o tempo todo: _ Não sou mais criança. Completei onze anos, sou quase adolescente!

Pra que tanta pressa meu Deus? Ali sossegada rodeada de outras crianças para brincar, e tendo somente como obrigação idas à escola e à igreja... Por que haveria de querer avançar etapas de desenvolvimento? Acho que de longe a liberdade acenava-me. Não tinha, ou não queria enxergar as responsabilidades que viriam juntas. Ou, quem sabe, tinha ideia sim de direitos e deveres e pensava que daria conta, tiraria de letra?

Já não queria brincar de casinha, mas os jogos despertavam-me tanto interesse quanto os olhares trocados com o sexo oposto.

Apelo inspiração à Adélia Prado indagando-me saudosa: _ “E quem me olhará de novo com o mesmo olhar que me olhou aos quatorze anos?” (que poderiam ser... doze, treze, ou um pouco menos, ou muito mais?). Novos hormônios em ação fizeram rebuliço na minha vida de viajar pelo tempo.

Em roda de mim novidades, e por dentro vivências que me fizeram madura para enfrentamentos. Tudo que foi um dia surpreendente, depois virou episódio comum, repetitivo, rotina sem jamais perder o valor da experiência a deixar valorosa lição.

Estou na minha viagem.

Ninguém poderá vive-la por mim.

Nada de bom que dependa da minha livre vontade terá força, ou poder do contrário! A roda girará sempre pelo passar do tempo. O tempo dirá:

 _ O que será.

Eu afirmarei meu desejo.


Aqui posso escrever o que penso hoje.

É engraçado.

Sem despir-me do primeiro vestido, mesmo não sendo de “marca”, trazia o ponto de marca (ou de cruz) em motivos marinhos... E relembro-me das etiquetas de origem em cada roupa que usei ultimamente. Eu as vejo rodeando o espaço: China; Bangladesh, Vietnam; Indonésia; Índia; EUA; Italy; France...

Passam em minha cabeça pensante, as feições das pessoas que estiveram envolvidas na feitura de cada peça vestida por mim ao longo dos anos. São de olhos puxados, amendoados, ou redondos; tem a pele que vai da cor branca, amarela, avermelhada ao marrom em diversos tons; falam enrolado, cantado, pausado ou de “soquinho” (como se estivessem a soletrar em minha cartilha); sérias, compenetradas, sofridas, ou sorridentes estão a trabalhar e pensar em suas vidas.

E eu aqui querendo no tempo e no espaço, sair em roda do mundo, a cumprimentar e agradecer cada uma delas.

Esta seria uma outra viagem...

Concluo: _ Enquanto dou uma volta ao redor de mim, o mundo gira, gira e gira. As pessoas e o tempo passam. As lembranças permanecem.

...

Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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