Para quem acha que retiro espiritual é só para quem
tem religião vou contar minha verdade. De vez em quando sinto necessidade de
estar só, sem muito que fazer a não ser: retirar-me para um lugar diferente do
habitual, estar a sós comigo mesma, sintonizando-me com o Universo, sentindo
minha pequenez, certa de que mesmo assim sou parte de algo maior e mais
poderoso.
“Uma alma que se eleva, eleva o mundo” dizia Elisabeth
Leseur. Eu e a minha espiritualidade,
consciência plena de que não sou só matéria, sigo em busca de uma ligação com
algo superior à minha pobre humanidade. Sim, aprendi retiro espiritual na
cartilha de um Colégio Católico, só que terminando os estudos formais não
dediquei mais tempo a retirar-me para estar comigo mesma e fazer reflexões. Só
quando chegou o momento mesmo, e estando disposta e disponível, seguindo um
modismo da temporada, fui passar uma semana num espaço místico, fora da cidade.
Exatamente uma chácara beirando a montanha verde, entrecortada de córregos,
povoada de animaizinhos, musicalizada pelos pássaros, entremeada de flores e
frutos.
A rotina a ser seguida era anunciada pelo bater do
sino desde que o dia clareava: um momento para receber a energia do sol, num
caramanchão rústico e octogonal. Fazíamos exercícios respiratórios com
movimento de braços, todos à vontade, e o silêncio... benvindo.
Após o café da manhã, acompanhado de sucos e frutas da
estação, queijo tofu, ovos mexidos, pão integral com manteiga fresca, íamos
para a horta. Ali os canteiros de flores comestíveis, temperos e algumas
verduras mereciam nossa atenção. Não só observávamos, mas pegando nas mini
ferramentas, afofávamos a terra, retirávamos pragas, espantávamos pequenos
predadores. O espantalho ali de vigia, simulando movimentos humanos, ao sabor
do vento, tratava de deixar claro às gralhas que aquela propriedade era
particular.
O horário seguinte era de exercícios físicos ao som de
música clássica, quase um bailado; biblioteca à disposição; trabalhos manuais, de
origami ou argila a quem preferisse.
Servido o almoço, tempo livre para um cochilo, cada
qual em seu aposento.
À tarde a sugestão era uma caminhada numa trilha bem
sinalizada no entorno da propriedade indicando, a cada vinte metros, o
exercício a ser realizado naquele ponto. Não sendo grande sua extensão, quem
quisesse poderia repeti-la. Se surgisse uma pedra, em que se pudesse assentar,
seria o momento da meditação pessoal, íntima:
_ Em que estou me aperfeiçoando?
_Como melhorar meu cotidiano de correrias lembrando-me
que sou um ser espiritual em passagem pela Terra?
_ Em quais momentos senti realmente que fui útil ao
meu próximo, tornando-me melhor?
_ Quando, com quem e onde me senti tentada pela
prepotência ou soberba, crendo-me superior ao meu semelhante? Posso corrigir!
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Depois sim, quem solicitasse teria o tempo de
conversar com um dos planejadores daquele retiro, à sua escolha.
Filmes, palestras, depoimentos, tudo poderia acontecer
ali à noite, mas a maioria preferia um chá numa roda em volta da fogueira
combinando com o clima de montanha.
Uma boa noite de sono, ao som da melhor música: sapos
no brejo, grilos na vegetação, pios, chiados, tudo que se pode esperar da
natureza na escuridão iluminada de vagalumes.
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