abril 24, 2020

Pressentimentos II

Por Elisabeth Santos


Sentia tanto medo de pressentir e depois ver a acontecer coisas ruins nas minhas proximidades que fui censurando meus pensamentos espontâneos. Palavras, imagens, encontros casuais e até presentes ganhos, tinham um significado premonitório.

- Por que haveria de me desfazer de tal objeto, se dois dias depois vinha a precisar dele? Era “trancham”: descartava, necessitava em seguida. Deduzi que o que aparecia ao meu olhar e mãos era sim um aviso: - Você vai precisar disso!

Estendi minhas premonições ao acaso dos fatos ao redor, sem obsessão. Agia como tinha de agir, sem questionar-me, ou às cartas, bola de cristal, oráculo ou horóscopo.

Graças ao meu Santo Protetor, interno e invisível, não acumulei coisas completamente inúteis ou inválidas. Apenas que hoje, em idade senil sinto-me a carregar água em peneira, porque estou sempre a receber peças e tranqueiras aos montes, de destino ignoto, para todo dia lotar minha cabeça: - Quem mesmo estaria precisando de algo assim?

Não conseguindo lembrar de alguém por três horas... despejo na lixeira o que vai fazer a primeira camada terrestre formada pelo ser humano. A ...

Há algum tempo consigo lembrar-me do último sonho que tive dormindo e faço uma interpretação rasa. Não sou estudiosa do assunto, mas já troquei ideias com quem entende. Fiquei com a sugestão que me pareceu mais lógica: sonhos meus são só meus. A mim pertence a interpretação de acordo com o que tenho vivenciado ultimamente. Sonhar com parentes falecidos confabulando costuma ser um aviso de novidade. Poderá ser notícia boa ou nem tanto. Para esta última peço ajuda ao meu Santo Protetor. Assim sendo fico alerta quanto ao conteúdo ou mensagens prováveis dos sonhos que permanecem na memória, alegrando-me ou entristecendo.

Depois dessa introdução vou relatar o sonho constante que tenho tido pouco antes, e pouco depois da chegada do Corona vírus ao Brasil.

Dentre meus sete irmãos falecidos na idade adulta, dois exerceram a medicina, duas foram Assistentes Sociais. Um fundou uma escola com atendimento a crianças com Síndrome de Down, outro dirigiu uma Creche por alguns anos, e o último foi o “pai de todos” nas horas de aperto financeiro de quem precisou. Nesse ambiente vivi infância e adolescência. Depois que foram partindo, vê-los em sonhos, junto com mamãe, era motivo de alegria. Parecia tão real a presença deles diante de mim que eu participava do assunto naturalmente.

Hoje, ao acordar assustada, lembrei-me de onde estive, o que falei, escutei, a apreensão sentida.

Encontrava-me perambulando numa rua, parte iluminada, parte deserta e escura da minha cidade. Parecia procurar alguma casa. Não achando voltei a pé para observar melhor os aspectos das fachadas que naquele instante eu já não conseguia ver, dada à escuridão total, e por se encontrarem no alto de um barranco onde a numeração procurada não se fazia visível.

Veio uma criança, cabelos de anjo barroco, que reconheci algum dia ter sido minha aluna, a oferecer-me auxílio. Expliquei-lhe estar perdida, e ela se dispôs a levar-me à sua casa ali perto e usar o telefone. A casa era toda de pedras, parecendo um pequeno castelo num terreno exíguo. Não consegui esconder minha surpresa, em saber de uma menininha residindo num castelo e ela explicou-me assim: - Esse imóvel se encontrava sem dono pela ausência de alguém que reclamasse sua posse. Minha família não tinha onde morar, arranjou documentos atestando o mesmo sobrenome Lélis, e as autoridades competentes, reconhecendo a legitimidade, liberaram o castelinho para nós.

 Entramos e minha guia agora anfitriã, atravessou a sala apresentando-me:

- Esses são meus pais e irmãos. O telefone está no cômodo depois de subir a escada.

 Lá estava uma tia idosa, vestida de preto, altiva, cara fechada e bastante enrugada. O sofá era grande.

Depois de eu tentar minhas ligações telefônicas para o número do meu pai, sem resultado, resolvi ir a pé sozinha na escuridão que já não era de um lado só. Era total.

A menina, parecendo anjo, de nome Olgaídes, não queria deixar-me ir.

_ Dorme aqui hoje. Tem esse sofá onde tá minha tia.

_ Não. Vou para minha casa onde meu pai e minha mãe me esperam. O relógio da Igreja bateu nove e meia.

Pondo os pés para fora da casa de pedra achei por bem corrigir minha fala:

_ Não. Minha mãe morreu em mil novecentos e sessenta e sete. Meu pai deve estar preocupado comigo.

Dei dois passos na calçada da rua e voltei-me para dizer:

- Não, meu pai também já morreu. Foi no ano de 2002. Não tenho ninguém à minha espera.
Foi nessa que acordei assustada.

Toda vez em que visualizei a casa onde nasci... lá estavam meus sete irmãos junto de mamãe e papai tomando decisões como era de costume.

 Todos falecidos.

...

Enquanto escrevia este, ouvi alguém clamando por socorro. Era minha vizinha que tentava acordar seu neto com umas colheradas de açúcar. Estava desmaiado. Corremos, meu marido e eu a ajuda-la e levar os dois ao Pronto Atendimento da Saúde.

Faz uma hora que estão por lá...

Será que era este o aviso?

A casa deles é em frente à nossa e fica no alto do barranco...

Prefiro acreditar nisso, que ficar pensando no Corona Vírus vindo buscar-me.





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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora resolveu escrever e já publicou dois livros. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

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