março 22, 2019

Desafio

Por Elisabeth Santos


Eu nem sabia que aquela encomenda de um quadro seria o maior desafio de quem reproduz arte pictórica seiscentista! Aceitei a encomenda sem pestanejar:


_ Farei a cópia como você gosta Edi! Serei precisa e exata nos mínimos detalhes para ela ser classificada como hiper-realista.


Não se tratava de uma mentira minha afirmação. Nem foi pretensão de quem gosta de se dizer artista plástica especializada em Naïf. Apenas que a encomenda não tinha sido especificada ainda... O “encomendante” não trouxe de antemão, num papel, qual o quadro inspirador desejava pendurado na parede do escritório.


Ao mostrar-me “Escola de Atenas” do mestre Rafael fiquei na dúvida sobre duas coisas: Na melhor das hipóteses meu genro tinha em alta conta minha habilidade com telas, tintas e pincéis. A outra hipótese seria uma brincadeira, que está sempre virando piada nesse tipo de relação familiar.


Nós, traças de livros que sempre fomos, de férias andamos de “déo em déo”, de livrarias a bibliotecas e sebos culturais para achar o que poderia ser o modelo compatível com minha, agora declarada, incompetência. Afinal, “Escola de Atenas” é um afresco a ocupar três paredes de uma sala do Palácio do Vaticano desde 1483.  


O estilo misturado de Rococó e Barroco com mais de cinquenta personagens em tamanho real, passado através de cópia computadorizada medindo míseros cinquenta e dois por oitenta centímetros rendeu uma tela esquisita, de medidas semelhantes, delineada a papel carbono. A esquisitice aconteceu ao olhar atento e observador de quem havia aceito a encomenda, no momento “Grande Desafio”: verificar cada um dos figurantes e onde estavam seus braços e pernas. O que faziam eles numa aula poderia ser irrelevante, mas não era. Aos olhos de meus filhos e netos, pareciam professores e alunos aos celulares e tablets. Suas roupas iam de: apropriadas a um inverno rigoroso ao mais causticante sol de verão. Ou seriam uns calorentos misturados a outros normaizinhos? Eu é que não poderia perder tempo com tantas divagações. Estávamos em novembro. A encomenda era para hoje, vinte e quatro de Dezembro! Quanto tempo foi dispendido naquele afresco? Respeitadas as dimensões, calculadas as proporções, caberia a  observação de a miniatura ser acrescida de dificuldades devidas aos instrumentos a serem utilizados e ainda ao poder da capacidade visual da pintora.


E eis que dei como encerrada minha tarefa sabendo que fotos de afrescos enormes, para servirem de modelo para um pintor hiper-realista tem que ser focadas de um ângulo a favorecer a arquitetura evidente do lado esquerdo a seu equivalente do lado direito.


Em nossos dias, com tanta tecnologia disponível, tudo seria superado. Nas prateleiras das lojas estão os quebra cabeças de cinco mil peças; as reproduções gráficas colorizadas com exatidão; os quadros emoldurados e envidraçados feitos numa linha de montagem por robôs... tudo que nossa vã filosofia pensa ou dispensa..


O quadro que pintei é único!


Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".

  

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