Eu nem sabia que aquela encomenda de um quadro seria o
maior desafio de quem reproduz arte pictórica seiscentista! Aceitei a encomenda
sem pestanejar:
_ Farei a cópia como você gosta Edi! Serei precisa e
exata nos mínimos detalhes para ela ser classificada como hiper-realista.
Não se tratava de uma mentira minha afirmação. Nem foi
pretensão de quem gosta de se dizer artista plástica especializada em Naïf.
Apenas que a encomenda não tinha sido especificada ainda... O “encomendante”
não trouxe de antemão, num papel, qual o quadro inspirador desejava pendurado
na parede do escritório.
Ao mostrar-me “Escola de Atenas” do mestre Rafael
fiquei na dúvida sobre duas coisas: Na melhor das hipóteses meu genro tinha em
alta conta minha habilidade com telas, tintas e pincéis. A outra hipótese seria
uma brincadeira, que está sempre virando piada nesse tipo de relação familiar.
Nós, traças de livros que sempre fomos, de férias
andamos de “déo em déo”, de livrarias a bibliotecas e sebos culturais para
achar o que poderia ser o modelo compatível com minha, agora declarada,
incompetência. Afinal, “Escola de Atenas” é um afresco a ocupar três paredes de
uma sala do Palácio do Vaticano desde 1483.
O estilo misturado de Rococó e Barroco com mais de
cinquenta personagens em tamanho real, passado através de cópia computadorizada
medindo míseros cinquenta e dois por oitenta centímetros rendeu uma tela
esquisita, de medidas semelhantes, delineada a papel carbono. A esquisitice
aconteceu ao olhar atento e observador de quem havia aceito a encomenda, no
momento “Grande Desafio”: verificar cada um dos figurantes e onde estavam seus
braços e pernas. O que faziam eles numa aula poderia ser irrelevante, mas não
era. Aos olhos de meus filhos e netos, pareciam professores e alunos aos
celulares e tablets. Suas roupas iam de: apropriadas a um inverno rigoroso ao
mais causticante sol de verão. Ou seriam uns calorentos misturados a outros
normaizinhos? Eu é que não poderia perder tempo com tantas divagações.
Estávamos em novembro. A encomenda era para hoje, vinte e quatro de Dezembro!
Quanto tempo foi dispendido naquele afresco? Respeitadas as dimensões,
calculadas as proporções, caberia a observação
de a miniatura ser acrescida de dificuldades devidas aos instrumentos a serem
utilizados e ainda ao poder da capacidade visual da pintora.
E eis que dei como encerrada minha tarefa sabendo que
fotos de afrescos enormes, para servirem de modelo para um pintor
hiper-realista tem que ser focadas de um ângulo a favorecer a arquitetura evidente
do lado esquerdo a seu equivalente do lado direito.
Em nossos dias, com tanta tecnologia disponível, tudo
seria superado. Nas prateleiras das lojas estão os quebra cabeças de cinco mil
peças; as reproduções gráficas colorizadas com exatidão; os quadros emoldurados
e envidraçados feitos numa linha de montagem por robôs... tudo que nossa vã
filosofia pensa ou dispensa..
O quadro que pintei é único!
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Leave your comments here.