dezembro 11, 2020

As gavetas

Por Elisabeth Santos


E chegou o dia de limpar e organizar gavetas. Pensei que levaria um dia. Já nem sei quantos dias estou a desenvolver essa tarefa. Só em uma gavetinha de penteadeira levei vinte e quatro horas divididas em dois dias. Primeiramente tenho que confessar que a tal gaveta já se encontrava entupida a ponto de nem fechar direito. Tirei pentes e escovas de cabelo pendurando-os onde pudesse usa-los sempre que pretendesse sair de casa. Tenho cabelos rebeldes. Se o tempo está úmido ficam ouriçados. Se o tempo está seco pioram, porque levantam voo ao primeiro vento. Em dias normais, submetendo-os às hidratações regulares, até que ficam assentadinhos. A “moça do tempo” falou na televisão que vem chuva lá na serra? Tenho que passar as dez escovadelas na cabeleira para que os fios agradeçam e fiquem com as ondas nos lugares certos, e não como se fosse dia de ressaca na orla. Por essa, e mais outras, onde vou compro outros tipos de escovas de cabelo, para teste. Também gosto de trocar por modelos novos, cores diferentes.

Voltando à arrumação da pequena gaveta achei: mini secador e chapinha. Será que ainda funcionam? São próprios para levar em viagens, e nem sei há quanto tempo não saio em excursão. Testei. Precisam de uma arribada. Separei-os para levar ao consertador qualquer dia desses, e volta-los aos devidos lugares.

E assim fui separando maquiagens, de pomadas e cremes hidratantes. Presilhas, elásticos, tiaras e tique taque próprios para os penteados, combinando com roupa e ocasião.

 Para o Serviço? Tudo discreto.

 Festividades e comemorações à noite? Brilhos, sedas e veludos.

 Tenho que explicar por que não tenho, nem uso prendedor de cabelo conhecido como piranha? Ainda bem que não.

 Enfim cheguei ao fundo da gavetinha para retirar e trocar o forro emborrachado que não deixa os pequeníssimos objetos como tarraxas de brincos, ficarem rolando pra cá e pra lá no abre e fecha diário, e constante, daquele esconderijo. Surpreendi-me com as miudezas ali encontradas: de grampos a parafusos caídos de algum lugar, uma gama de objetos, que eu já havendo dado como desaparecidos, havia comprado outros em substituição. Eram coisas que comumente se ganha de brinde ou no serviço de bordo do avião. A pasta dental para uso único, tinha virado pedra; Clipes para papel, enferrujados; gominhas grudadas umas nas outras; Fones auriculares, com fio enrijecido, e tantas outras coisas indispensáveis numa pochete de turista, que nunca sabe ao certo, a dificuldade a encontrar pela frente.

Saiba o leitor, que um simples grampo é capaz de destravar uma fechadura. Uma pastilha de menta substitui o creme dental para se dar “bom dia” à vizinha de poltrona ao amanhecer no ônibus, que leva a excursão. Uma gominha de borracha tem mil e uma utilidades. Uma moeda decide quem ganha no “Cara ou Coroa”. O colírio que substitui a lágrima poderá até desentupir narinas numa emergência.

E de gavetas médias, a grandes e pequenas, retirei coisas que poderiam ser hoje obsoletas das quis muita gente nem irá lembrar-se. Para que servem mesmo os enormes guardanapos de tecido igual ao da toalha, que outrora limpavam bocas sem batom? Substituídos por guardanapos descartáveis em diversos feitios e cores, poucos sabem do uso deles no colo em hora de refeições. Afinal muitos banquetes foram preteridos por churrascos à beira da piscina.

 E nos quartos estavam os peignoirs, literalmente abandonados às traças! Ainda são usados para recompor quem está acordando em pijamas de listras?

As gavetas dos armários da cozinha foram as que mais surpreenderam-me pelo enorme número de ferramentas de usos bem específicos mesmo. Os anúncios televisivos que me levaram a adquiri-las certamente foram muito tentadores. Cheguei a reconhecer alguns objetos como: furador de coco, ralador de pimenta, concha de servir sorvete, saca tampinhas de garrafas, e escorredor de arroz. Os demais separei em duas turmas. De um lado utensílios culinários que fizeram por merecer aquele espaço quando havia crianças, e idosos na casa. Os que nem eu, que marquei presença naquela cozinha por longos anos, consegui lembrar-me para que serviram um dia, se é que foram usados.

Essa atividade de hoje me levou a pensar:

- Há mais coisas engavetada aqui, do que a maior imaginação supõe!

- Só um isolamento social forçado haveria de fazer-me pegar uma tarefa dessas com bom humor!

Diriam meus descendentes:

- `Bora pro novo tempo!



--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora resolveu escrever e já publicou dois livros. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia"

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Leave your comments here.