Por Elisabeth Santos
Doce de laranja é coisa séria na casa da Beth. |
Meus pais compraram um pedaço de chão para construir
uma casa branca com varanda. Da janela eu via um pé de laranja que ia crescendo
no quintal, mas ao dar frutos, e estes amadurecerem... nenhum passarinho vinha
bicar. Desci os quarenta e dois degraus para andar mais uns passos até aquela
laranjeira. Apanhei algumas laranjas, tirei o canivete do bolso do avental,
sentei-me à sombra da galhada e fui descascar a primeira que estava verdolenga.
Achei ácida demais ao prova-la. Descasquei a segunda e a terceira que estava
bem madurinha. Descobri que aquele pé de fruta dava laranja azeda, que não
tinha nome ainda. Umas pessoas diziam:
_ É de laranja de fazer doce.
Outros diziam: _ É de laranja da terra.
Para mim... continuava a ser “laranja sem nome”.
Perguntei a minha mãe como seria o tal doce de laranja azeda.
_ Primeiramente tira-se o azedume. Depois disso faz-se
o doce das frutas mergulhadas na calda dulcíssima. Querendo secá-las ao sol é
só retirar da calda e passar no açúcar. É doce tradicional no campo e muito
apreciado também na cidade.
Juntas fomos fazer doce de laranja: em calda; seco aos
pedaços; e moído para servir ensanduichado entre duas fatias de queijo.
Uma trabalheira danada, mas compensadora.
_ Mãe, por que essa laranjeira não é de laranja pronta
para a gente chupar?
_ Pergunta lá para sua avó.
E a vovó contou esta história para a neta não se esquecer
de espalhar por aí:
_ Quando conheci os laranjais dessa região, em todos
eles havia frutas gostosas mesmo sendo umas mais, outras menos doces. Em gomos,
de tampa, ou fatiadas complementavam lanches saudáveis. Colhíamos laranjas fora
de época para fazermos a laranjada adoçada no copo. Tudo bem aproveitado, e
apreciado, porque a criançada gostava de andar pelo nosso pomar verificando se
estava tudo em ordem. Havia muitas abelhas, e mamangavas visitando as flores;
muitas lagartas metamorfoseando em borboletas coloridas; passarinho fazendo seu
ninho e aproveitando o alimento da árvore.
_ Então não existia “laranja de fazer doce” vovó?
_ Não. Até que comecei a reparar uma laranjeira que
detestava ter bichinhos à sua volta, e balançava seus galhos até que eles se
mudassem dali. Suas frutas, com o passar do tempo, foram ficando de caras
amarradas, cascudas, azedas, mais e mais espinhos crescendo nos galhos! Daí uma
mulata idosa, doceira de mão cheia... inventou o doce de laranja, que inventado
para sempre ficou.
E até os mais incrédulos acreditaram! Avós inventam
boas histórias, além de serem habilidosas ao fazerem doces das frutas do pomar.
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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".
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