Por Elisabeth Santos
Contaram-me que na “minha infância
querida que os anos não trazem mais” eu dizia frases premonitórias. Não posso
afirmar totalmente. Sei que eu folheava revistas, jornais, livros ilustrados e
tudo o mais de leitura diária dos meus pais e demais adultos da minha casa. Daí
a “meter o bico” nos diálogos de gente grande com meus palpites... a distância
não seria muita.
Poderia o leitor curioso perguntar-me agora se
fui uma criança enxerida, e eu não afirmaria nem negaria. Achava natural tudo
aquilo. Acompanhei, e me estarreci com os julgamentos de crimes da guerra;
sofri junto com vítimas de todo tipo de crime; acompanhei avanços tecnológicos;
cobicei eletrodomésticos que facilitariam em muito o trabalho de donas de casas;
“viajei” nos modelos de automóveis recém lançados, nos aviões teco-teco e
também nos a jato.
Tudo isso e muito mais, pois eu lia e lia e nunca consegui juntar o verbo ler, ao verbo estudar. Resumindo: estudar
seriamente... eu não conseguia. Tinha comigo que na hora da prova final da
série escolar algo viria à minha mente para salvar-me. Esta fase durou que
durou para desespero de meus pais. Guardei uma carta da mamãe para o meu
padrinho Guido:
_Elisabeth Maria continua lendo
muito. Estudar que seria bom... nada. Estou sempre repetindo a ela que largue
de fantasias e faça o dever de casa. Resultado: o boletim dela do quarto ano
primário no Colégio Sion trouxe a vergonhosa nota de cinco vírgula seis!
Completo agora que, passados mais
três anos de escolaridade no mesmo estabelecimento... tomei uma bomba redonda,
como se dizia em mil novecentos e sessenta e um! Matérias: Matemática, História
do Brasil e Inglês.
Só cheguei a melhorar depois desse
incidente de percurso e interessar-me verdadeiramente por aprender o que a
escola preconizava, após a transferência para uma escola pública.
O detalhe nisso tudo é que eu
continuava acreditando ter um Santo muito forte. Funcionava! Era despreocupada,
porque o acaso sempre me protegia. Parecia que eu adivinhava facilmente, ou
antevia perigos a desviar-me, coisas certas a dizer no momento exato. Sei lá o
que poderia ser isto. Dava certo e eu acabava por concluir que não precisava
preocupar-me com o que desse e viesse a acontecer a mim, aos meus, ao mundo.
Durou até que perdi minha mãe de um
enfarto fulminante. Ela sendo medicada em casa, eu acompanhando tudo, cheguei à
janela, olhei o céu repleto de estrelas e pensei: - Amanhã estará tudo bem. Ela
não vai morrer e lembrarei desse sonho ruim e das estrelas todas que vejo
agora.
Pela primeira vez antevi o impossível e me decepcionei.
--
Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora resolveu escrever e já publicou dois livros. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia"
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