janeiro 26, 2018

Macabea

Por Elisabeth Santos
A Hora da Estrela, 1985

Personagem literária de nome incomum, Macabea real, de carne e osso, não se conformando com o nome lhe dado e registrado em cartório pelos pais, escolheu ser chamada Bebéa. Cresceu forte e sortuda. Parecia ter o toque de Midas: em todas as escolhas feitas teve sucesso. Estudo, trabalho, amizades e casamento. Até onde era do conhecimento das pessoas ao seu entorno. O que se passava no íntimo só ela sabia. Tinha lá suas inquietações, receios, medos e até pavores.

Sempre que estava a um passo de uma grande decisão, nem avaliava os prós e os contras, simplesmente se atirava no que achava ser melhor e acertava em cheio. Seguia uma intuição, quase sexto sentido ou nenhum dos dois. Quero dizer que mesmo não escolhendo com suas próprias mãos, como se dizia por ali, a decisão melhor aparecia às suas vistas, resolvida, irrecusável, e dava certo! Surpreendendo a própria Macabea, muitas das vezes.

Como os problemas iam surgindo e desaparecendo; as dúvidas se dissipando quase sozinhas; algum entrave sendo transponível sem grande esforço... Só sobrou de aflitivo para Macabea o seu próprio medo. Quase “medo da própria sombra” já que olhando para trás... se arrepiava! Era como sentir-se acompanhada o tempo todo.

Conversando com a tia avó, bem idosa, criada na roça quis saber o que era aquilo. Ouviu então o seguinte: - A vida tem seu curso natural que não deve ter interferências. Minha avó materna era parteira e me contava uns causos. Dizia que numa centena de nenéns que ajudou vir ao mundo a maioria ela sabia de antemão se seria ou não feliz. Aquilo de crer que
quem pisa em retalhos de tecido de uma mortalha, quando criança, não vai viver muito é pura invenção de adulto para fazer a criança varrer o chão. E aquela outra história que levando o defunto para a cova, se alguém cair e machucar seu ferimento não vai sarar nunca, tem a mera finalidade de fazer os carregadores do varal com a mortalha irem com cuidado.

E a tia avó da Macabea contando mais meia dúzia de crenças e superstições que foram criadas para atemorizar os mais jovens terminou assim:

_ A sina vem com a pessoa ao nascer. É praticamente visível a quem tem o dom. Nada tema Macabea. O que tiver de ser será!

Não satisfeita, Macabea procurou uma benzedeira que a livrasse daquele pavor que às vezes sentia por nada.

A benzedeira arrancou uma porção de ramos de hortelã que abundavam bem à porta de sua casinha simples, lavou-os na cascatinha formada pelo córrego no desnível do terreiro, e ali mesmo rezava e aspergia gotículas daquela ramada na Macabea. A reza era audível, mas não entendível. Isso, para a moça que foi buscar ajuda espiritual, não tenha a menor importância contanto que a benzedura desse certo.

Terminado o ritual, Dona Benta Benzedeira, ainda de olhos fechados passou o veredicto:

_ É macacoa!

Nunca mais Macabea sofreu com sentimentos de insegurança ou incerteza. Resolveu não dar confiança para coisas inexplicáveis, e simplesmente ser feliz com todas as graças recebidas!





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Elisabeth Carvalho Santos desde alfabetizada lê tudo que aparece à sua volta. Depois de aposentada professora (não de Português) resolveu escrever. Colabora com o jornalzinho da família, participa de concurso cultural e coleciona seus textos para publicar oportunamente. Os assuntos brotam de suas observações, das conversas com amigos e são temperados com pitadas de imaginação e bom humor. Costuma afirmar que "escrever é um trabalho prazeroso e/ou um lazer trabalhoso que todo alfabetizado deveria experimentar algum dia".  

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